O Livro
O pneu furou. Parei em uma borracharia para ser feito o reparo. O céu estava cinza e uma fina chuva fria caía. Sentei num banco de carro que estava num canto da borracharia e acima um calendário hétero e opressor bem sugestivo. Olhei para fora, pois sempre gostei do céu cinza com fina chuva, não sou um “carioca” politicamente correto. Gosto da água da chuva escorrendo pela janela do carro, gosto de “sad songs”, proporcionam o melhor cenário para a reflexão.
Não havia percebido ainda a presença de uma outra pessoa que também aguardava o reparo de seu carro. Talvez meu inconsciente lembrando de “Jung” me levou até àquela pessoa. Ela lia o Livro. O Livro sempre ativava os remanescentes de meu “inconsciente”. E a observava, via a reação de seu semblante diante das Letras eternas. Era como um ritual que sempre haverá de se repetir.
[Optei pela conjugação do verbo haver no Futuro do Presente porque se trata de algo que sempre acontecerá]
Fui percebido pela pessoa. Ela sorriu para mim. E perguntou se eu estava curioso em saber o que ela lia. Entrei na estória. Respondi que sim. Daí me disse que se tratava da Palavra e em seguida me perguntou se eu gostaria de saber mais sobre o assunto. Respondi afirmativamente.
[Ela usava uma Bíblia sem aparato crítico, sem comentários, apenas o texto em português de alguma Almeida]
Resolvi ouvir a sua explicação sobre o Livro. Pensei que em seguida me aconselharia visitar uma igreja ou um grupo nômade qualquer. Mas não, apenas me falou sobre o Reino, sobre a Salvação, sobre o Pecado, sobre a Graça, sobre a Misericórdia, sobre o Perdão, e, por fim, como um grande final feliz, a Solução em Jesus Cristo. Simples. Apresentou-me sua interpretação simples e tão bíblica, tão humana, tão divina.
Entrei na História. De novo. Senti tudo de novo. Vivi tudo de novo. Novamente novo, novamente atual. Experimentei a liberdade da existência mais elevada e novamente decidi. Decidi de novo decidir. Tudo que eu sabia sobre o Livro foi renovado de maneira simples e honesta. Renovado da única maneira correta. A estória e a História da salvação foi-me novamente revelada.
O carro estava pronto e quando pensei em me despedir da pessoa ela já ia longe em seu carro. Qual uma missão, a sua fora cumprida. Podia imaginar a sua felicidade. Sua fé revigorada. Minha esperança renovada.
Sorte a nossa que o Senhor da Palavra não é calvinista, arminiano, tomista, existencialista, libertário, liberal, cristão, católico, marxista, kardecista, umbandista, candomblecista, platônico, peripatético, etc.
O Eu sou é a única realidade. O único sentido. A única verdade. E não é submisso à nenhum discurso, regra, estatuto ou lei. Ao contrário, o fim é que Ele seja tudo em todos.
Paguei o serviço. Entrei no carro e peguei a estrada. E segui em nova vida.