Se eu Sou Feliz?



 
Me perguntaram se eu sou feliz.
 
Esta é uma pergunta difícil de responder, pois a felicidade é algo diferente para cada pessoa. Alguns passam a vida em uma busca incansável por esta personagem de mil faces, e estão tão concentrados em encontrá-la, que acabam não a vendo passar bem diante de seus narizes nas várias oportunidades em que cruzam com ela. Outros, mesmo diante das coisas mais tristes, conseguem erguer os olhos de repente de suas dores, e mesmo que por um breve instante, capturam nas retinas a sua passagem.
 
Não acredito em felicidade escandalosa; isto é alegria passageira. A felicidade não é de falar muito de si, nem sente necessidade de propagandear a si mesma. Ela não cabe nas fotografias, e nem sempre está em um sorriso – que muitas vezes pode ser falso.  A felicidade é tão simples, que abomina a perfeição. Ela é fugaz quando intensa, e duradoura quando leve. Mesmo assim, fugaz ou duradoura, toda felicidade é válida.
 
Eu às vezes olho pela minha janela e a vejo brincando com meus cães no quintal, enquanto eles correm um atrás do outro ou disputam um brinquedo ou um graveto. Noutras vezes, eu a sinto quando acordo de manhã e vou até a minha varanda, e ao olhar a paisagem, sinto que um sorriso se desenha bem de leve, e quando o percebo... ela já se foi. Mas volta sempre, várias vezes ao dia, enquanto ao fazer o meu trabalho, eu e meus alunos rimos juntos por algum motivo. Ou então quando eu tiro um bolo do forno, e ele não murcha, ou quando o macarrão não gruda. Ela – a felicidade – me visita todas as noites, quando escuto uma certa chave na fechadura da sala.
 
Assim como acontece com todas as pessoas, já passei por muitas coisas tristes na vida. Algumas delas foram tão intensamente tristes, que eu cheguei a pensar que jamais me recuperaria. E eu fiz questão de ir ao fundo de todas elas, lá, onde a tristeza é mais escura, mais densa e mais profunda. Não tentei ‘ficar feliz’ ou ‘parecer feliz’ só para não chocar os outros ou para agradar as visitas. Nunca fugi da minha tristeza. Sentei-me com ela em silêncio até que ela me ensinasse que ela é apenas a irmã gêmea da alegria, e como disse Gibran, “Quando estiverdes alegres, olhai no fundo de vosso coração e achareis que o que vos deu tristeza é aquilo mesmo que vos está dando alegria. E quando estiverdes tristes, olhai novamente no vosso coração e vereis que, na verdade, estais chorando por aquilo mesmo que constitui vosso deleite.”
 
Certa vez, há alguns anos, quando eu estava intensamente triste, uma pessoa tentou me alegrar. Convidou-me para ir à sua casa. Aceitei o convite, pensando que talvez ela estivesse me oferecendo um ombro amigo, uma oportunidade para falar sobre a minha perda e a minha tristeza. Mas ao chegar lá, tudo o que encontrei foi uma pessoa desesperada em contar piadas e conversar amenidades para disfarçar o que me afligia, concentrada em não deixar nenhuma brecha para que o assunto viesse à tona. Na única vez em que tentei tocar no assunto, ela ouviu com um sorrisinho sem-graça e arrematou: “Mas agora não é hora de falar em tristezas.” Notei que daquela forma torta e insensível, ela estava tentando me alegrar, como se fosse possível arrancar a dor com a mão e sufocar sua voz com palavras forçadamente alegres. Permaneci calada a noite inteira, até a hora de ir embora, mas não forcei nenhum sorriso, não participei de nenhuma conversa amena, não entrei naquele jogo social. Acho que não agradei minha anfitriã, e ela com certeza notou que também não me agradou.
 
A pior coisa que alguém pode fazer a alguém que passou por uma perda ou por uma grande tristeza, é tentar alegrá-lo. Se você tiver ouvidos para ouvir, coragem e um ombro amigo para oferecer, faça-o; senão, deixe-o em paz.
 
Mas, voltando à pergunta que me fez escrever este texto: Se eu sou feliz?
 
Sim. E não. Sou feliz e sou triste. Posso estar me sentindo feliz de manhã, e me sentindo triste no final da noite. Posso ficar uma semana inteira me sentindo nas nuvens, e de repente, a nuvem escurece, chove e eu caio lá de cima. Mas enquanto eu estou caindo, consigo observar a beleza da paisagem que se aproxima, contra a qual eu vou me esborrachar. E depois que eu caio, tenho sido capaz de levantar sempre. Por isso eu não acredito sempre na definição injusta que dão à bipolaridade. Ninguém é monopolar (se é que esta palavra existe; bem, se não existe, acabo de inventá-la como um oposto à palavra ‘bipolar.’). Nem a natureza é sempre igual! De repente, vemos um céu azul dar lugar a maior tempestade do século em menos de cinco minutos. E a natureza não fica preocupada em definir se ela é ou não é feliz. Faz sol quando tem que fazer sol, e chove quando tem que chover.
 
Eu também sou assim.

Encerro este texto (que já está longo demais) com outro pensamento de Gibran: 

"Alguns dentre vós dizeis: "A alegria é  maior que a tristeza," e outros dizem: "Não, a tristeza é maior."
Porém, eu vos digo que elas são inseparáveis.
Vem sempre juntas; e quando uma está sentada à vossa mesa, lembrai-vos de que a outra dorme em vossa cama."


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 02/09/2015
Reeditado em 02/09/2015
Código do texto: T5368034
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