Bondes na tal cidade ...
Depois dos carros e carroças com tração animal, o bonde deu início a história dos transportes coletivos na tal cidade. O bonde como transporte de passageiros sobre trilhos, tal como em capitais e grandes cidades brasileiras, também foi utilizado em Natal/RN. Uma das linhas implantadas ligava o bairro da Ribeira ao do Alecrim. Primeiro implantaram bondes puxados por burros (1908), para depois bondes com o uso da energia elétrica (1911). E pegando o bonde da memória, podemos identificar que outros bondes passaram em sua história.
Natal viveu e conviveu com bondes portugueses e holandeses; americanos e franceses; indígenas e sertanejos. Em tempos de arcos e flechas; fogueiras e lampiões; navios, caravelas e galeões. Aviões e hidroaviões, com escala postal e escala naval. Seguindo os trilhos do bonde como transporte coletivo, logo veio o bonde da Revolução Comunista (1935), disparando tiros, depredando a cidade e bens públicos, inclusive bondes.
Comenta-se que quando o antigo bonde de transportes coletivos subia a ladeira saindo da Ribeira em direção à Cidade Alta, por vezes um vento traquino tirava o chapéu de algum distraído passageiro. Então era possível descer do bonde e pegar o chapéu fugitivo, sem, contudo, perder o bonde que podia ainda ser alcançado, dado a sua baixa velocidade e a ladeira que subia. Já outros natalenses preferiam fazer os percursos ‘de à pé’, a esperar o próximo bonde arribar.
Hoje na cidade existe um movimento deflagrado denominado “Revolta do Busão”, pelo direito ao uso e abuso do transporte coletivo, pelo direito de ir e vir. A cidade cresceu e as necessidades de deslocamento cresceram juntas com a cidade. A cidade cresce, sobe a ladeira do desenvolvimento, e vai deixando os cidadãos sem chapéu, sem boné e sem capelo, pelo meio do caminho. A velocidade e as distâncias não são mais aquelas da antiga Natal. Não dá mais tempo de descer dos bondes, pegar o chapéu e voltar a pegar o bonde da escola, da faculdade e da universidade, onde ainda se usa capelo na formatura.
Se o bonde era explorado por multinacionais, hoje o transporte coletivo é explorado e controlado por grupos empresariais. Tal como o transporte em carroças e carros de bois que nunca teve uma legislação específica, o transporte coletivo de hoje também não tem uma regra bem definida, capenga de lotação, integração e licitação. Com a extinção dos bondes, vieram veículos com rodas pneumáticas, os chamados ‘Birutas’, hoje se esperam nas paradas novas condutas e novas disputas dos poderes públicos e privados.
Um ônibus é mais que um transporte de pessoas passageiras, em pequenos intervalos de suas vidas, ou entre intervalos de pontos e paradas. Meios de transportes coletivos são ligações e comunicações entre pontos finais e pontos de partidas. Passageiros são mensageiros que levam informes e conhecimentos de um local ao outro.
Um minicomputador contem memórias confeccionadas com minerais. Estão acondicionados em pequenos tabletes e estão nas mãos, conectados à internet por
pulsos telefônicos. Há outro computador com um HD biológico contendo substancias minerais, transmitindo informações com impulsos nervosos. Este sempre esteve na caixa craniana conectada ao corpo, com a mobilidade das pernas, e a versatilidade das mãos. Hoje se cogita a construção de um novo bonde, o VLT, um veículo leve sobre trilhos. O bonde de hoje é o da criação e da transformação, da tecnologia e da inovação.
As disputas dos bondes como arquétipos da evolução e não evolução. Em Natal já houve muitas disputas: entre bondes verdes, vermelhos e rosados, com pintas e sem pintas. Bondes americanos e holandeses; bondes portugueses e potyguares. Bondes da zona norte e da zona sul, da zona leste e zona oeste. Bonde dos maias e dos medeiros. Bondes dos sem terras e sem camisas, com gravatas e sem gravatas, com colarinhos brancos e encardidos.
Mas enquanto houver disputas no bonde dos pobres e dos oprimidos, no bonde dos menos favorecidos, a cidade e a comunidade vão caminhar lentas, e vão ter que constantemente descer para pegar o chapéu, correr para pegar o bonde novamente. E a cidade convive hoje com o bonde do medo e do desprezo. Foras da lei correm pela cidade com bondes de terror, provocando arruaças e subtrações. Enquanto governantes não dão satisfações e argumentos bem fundamentados em suas administrações.
Para bondes ou trens deslizando sobre trilhos, alguns itens e escolhas se fazem necessário: Pontualidade britânica, precisão suíça, eficiência americana, versatilidade brasileira, com recursos da sabedoria indígena. Natal ou entra nos trilhos, ou continua ter fama de fazenda iluminada a querosene, ou fazenda asfaltada. Ou quem sabe agora uma fazenda com tecnologia de ponta controlada por antigos fazendeiros urbanos com seus mais recentes e inovadores meios adquiridos, de transporte e comunicação.
Entre Natal e Parnamirim/RN ─ 19/04/2014 Texto escrito para: Jornal de HOJE – Natal/RN