Príncipe encantado

A vida não trouxe muitas outras alternativas. Vender o corpo foi o atalho disponível para ajudar nas despesas da casa. Devia ter uns doze, treze anos. Ninguém sabia onde conseguia dinheiro.

- Estou ajudando uma avó a cuidar do netinho. A filha morreu e o marido dela vive bêbado. Dá pra ganhar algum dinheirinho.

A desculpa colou por vários anos. Assim foi aprendendo as regras da vida, fazendo a sua parte no jogo da sobrevivência. Mesmo que estas regras fossem passar os piores momentos possíveis, tendo um homem se deliciando com seu corpinho de menina virando de mulher. Mesmo que as regras fossem ter que dizer que tinha achado ótimo, mesmo quando teve que fazer o maior esforço para não vomitar.

- Falam tanto de um Deus que é fiel e coisa e tal. Não sei que Deus é este que nunca olhou pra mim, nunca moveu um dedo pra me ajudar de alguma forma. Se é fiel, nunca foi fiel a mim.

Até que um dia aparece o rapaz. Não muito mais velho do que ela, devia estar beirando os 18, 20 anos. Magro, cabelo bem cortado, cheiroso. E com as unhas bem cortadas e limpas. Coisa assim raramente pousava na sua cama.

- Não tenho dinheiro, o patrão não me pagou ontem como prometeu. Fiquei esperando ele voltar na obra até escurecer. Deixou todos nós na mão, aquele filho da puta!

Já tinha perdido a conta das vezes em que ouviu conversas fiadas só pra trepar sem pegar. Teve gente até que chorava contando suas histórias e ela era firme: ou pagava antes ou não tinha programa. Se fosse dar ouvidos pra todos esses caras, não conseguiria levar nenhum dinheiro pra casa.

- Assim que receber eu pago você. Juro. Juro por Deus.

Ela não tinha faturado nada até aquela hora. Sabia que o aluguel estava atrasado há 10 dias e que a mãe precisava daquele remédio que não tinha no posto. Mas aquele rapaz cheiroso e com unhas limpas de algum jeito mexeu com ela. Bem que podia ser papo furado, conversa pra usar e abusar do seu corpinho como tantos outros, e se não fosse enrolação? Tem patrão safado mesmo, que promete a grana e some no dia do pagamento.

- Tá bom, vamos. Mas recebendo teu dinheiro, você traz na hora o meu. São cinquenta reais. Podemos ir naquele terreno atrás da pracinha, assim não precisava gastar em hotel.

Não eram poucos os sonhos que povoavam sua cabeça. Desde bem pequenininha imaginava um homem bonito, cheiroso, de unhas bem cortadas e limpas vindo levá-la para morar numa casa bonita, com piscina e tudo. Teriam filhos que seriam levados de uniforme pra escola e, quando voltassem, teriam a mesa posta para o almoço, com carne, arroz, feijão, salada. E guaraná. Guaraná à vontade.

Talvez aquele Deus que diziam ser tão fiel estivesse agora finalmente fazendo a sua parte, trazendo o rapaz dos seus sonhos para o braços dela.

- Você é uma moça linda. A gente bem que podia ficar junto, vou arrumar outro emprego, ganhar mais e assim poderemos fazer nossa vida juntos. Podemos até ter filhos, que poderíamos colocar na escola para quando voltassem encontrar o almoço pronto, com carne, arroz, feijão e salada. E guaraná, guaraná à vontade pra tomar até não quererem mais.

Se amaram naquele terreno atrás da pracinha, explodindo paixão por cada poro dos corpos. Depois ficaram abraçados, ele acariciando os cabelos dela, beijando seu rosto de menina com carinho. E ela feliz como nunca por ter encontrado finalmente o homem que a levaria embora daquele inferno só pra fazê-la feliz.

- Pode esperar, no máximo em dois dias eu volto pra te buscar.

Ela o viu ele afastando e pela primeira vez na vida se sentiu confiante. Algo no fundo lhe dizia que sua história iria se mudar em dois dias. Só dois dias.

E o rapaz nunca mais voltou.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 30/08/2015
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