Da arte de ser bobo

Era um senhor aparentemente sisudo, de vestes finas e andar aprumado. Parecia um professor ou quem sabe um literato. Carregava um envelope amassado debaixo do braço. Quando entrou na cafeteria parecia apressado e um tanto distraído. Pediu um cappuccino e aguardou ali mesmo no balcão. Quando a atendente veio sorridente com a xícara em sua direção desarmou-se e colocou o envelope sobre a mesa. Moça bonita, de fino trato. O homem puxou uma conversa que durou pouco mais de dez minutos. Conta paga, saiu em direção da porta conduzido por outros clientes conhecidos. O envelope fica sobre a mesa. A moça observa indiferente o esquecimento do cliente.

O mundo está cheio de gente distraída. Pega de surpresa por alguém mais atento, que nos sorri com educação e presteza, mas que num segundo de divagação nos surpreende com uma rasteira. Atraídos pela beleza ou qualquer outro encanto, chegará o dia em que seremos vencidos pela esperteza de um vendedor que nos empurra um veículo batido, cujas peças de reposição só se encontra na Argentina; ou pela serenidade daquele que insiste que determinado produto é o melhor do mercado e tempos depois descobrimos desolados que fomos mais uma vez enganados. O político que promete que jamais será como seu antecessor e passadas eleições continua nas mesmas velhas práticas. O patrão que não cumpre obrigações trabalhistas. O empregado que engana o patrão. Vizinho que rouba vizinho. Príncipe que vira sapo. Sem contar os espertos disfarçados de distraídos.

Com o tempo os bobos vão aprendendo algumas máximas da natureza contraditória da sociedade: todos nós sabemos as ações e consequências da desonestidade, mas entendemos muito pouco de honestidade. O brasileiro fica perplexo diante dos escândalos nos poderes, mas é adepto das pequenas corrupções do cotidiano: furar fila, estacionar em local proibido, dirigir em alta velocidade, e pior, se esquiva das punições. Sempre confiando no jeitinho brasileiro de se dar bem.

Acontece que o bobo é um ser humano em crescente evolução. Talvez não seja a pessoa mais bonita e simpática a nos estender a mão para entregar um envelope sujo e amassado que esquecemos em cima de um balcão. Mas, com certeza será alguém que não tem medo de ganhar a vida sendo um bobo honesto.