Saudade da Adélia.

Três velhos viúvos. Toda quarta-feira religiosamente se reuniam na pracinha pra jogar dominó.

- Hoje sonhei com a minha mulher. Estava linda, do jeito que a conheci.

- Lembro da Adélia. Era linda mesmo. Acho que foi a mais bonita da turma.

- Se não tivesse se encantado por você logo de cara, eu era a próximo da fila pra arrematar o seu coração.

Eram amigos de infância, se conheciam há mais de 70 anos. A vida de cada um sempre esteve entrelaçado à do outro der algum jeito.

- Quando a Adélia morreu, deixei minha mulher doida de ciúme de tanto chorar.

- Também fui apaixonado por ela a vida inteira. Pela nossa amizade, guardei este sentimento calado, mas digo agora: foi o grande amor da minha vida. Não correspondido, mas foi amor de verdade

- Quando ela aceitou namorar comigo, tive que tomar remédio pra dormir de tão feliz que fiquei. Lembro como se fosse hoje: respondeu o meu pedido de namoro com um sorriso no olhar. Foi o sorriso de olhar mais bonito que já existiu nesta terra.

Ficaram em silêncio por alguns minutos, num gesto de reverência pela saudade que mal cabia no coração.

- Daria todo tempo de vida que ainda tenho só para ver a Adélia por mais um minuto.

- Faria o mesmo. Só para sentir Adélia por mais um instante.

- Eu idem.

Foi quando aconteceu. Começou a surgir um cheiro estranho, de perfume de mulher Tímido no início, quase uma leve pincelada.E foi ficando mais denso, abraçando todo ar.

- Ela voltou!

- Adélia voltou!

- Nossa querida voltou!

Os três amigos fecharam os olhos para que o perfume de Adélia descobrisse onde estava a alma da cada um para untá-la com seu cheiro tão querido e agora tão vivo.Mais vivo do que nunca.

- Sabia que ela nunca nos abandonaria de vez. Sabia que sempre esteve a nosso lado. Adélia querida, você voltou.

Então deram suas mãos para compartilhar da melhor maneira daquela sensação tão única.

O Zé Pedreiro achou estranho aqueles velhos sentados de mãos dadas em volta da mesinha da praça, indo na lotérica comprar seu bilhete de todas semanas. Quando voltava, ficou cismado e se aproximou deles. Tocou o primeiro e constatou que estava gelado e duro. O segundo e terceiro também. Gelados e duros.

O SAMU veio rápido mas não pôde fazer muita coisa. Logo juntou gente em volta, veio polícia e isolaram a área. Logo veio o pessoal da TV. Não era todo dia que três velhos eram encontrados mortos sentados numa pracinha.

Quando a perícia chegou pra fazer seus procedimentos de praxe, numa rotina em que a morte quase sempre é atriz principal, alguém comentou:

- Gozado, os três estão sorrindo.

Apesar de todas rugas que o tempo cravou na face de cada um, dava pra perceber que seu último gesto antes de morrer foi sorrir. Um sorriso pleno, absoluto, escancarado.

Sorriso de quem reencontrou o grande amor da sua vida.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 30/08/2015
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