Vita brevis

Sei muito pouco sobre o Douglinhas. E talvez saiba quase tudo, pois ele se expôs minimamente ao mundo, quer no tempo de vida, quer na interioridade, que ele guardou para si, incapaz que foi de externar todo o amor que seus lindos olhos azuis revelavam.

Na última vez em que estive na casa de seus pais, em Juiz de Fora, ele – que pouco me conhecia –, instado pelo pai, o amigo Edgard, abraçou o tio Walter, sorriu carinhoso e, levado pela Cida, a mãe cheia de zelos, foi dormir e sonhar com seus brinquedos.

À época, já com quase 18 anos, Douglinhas, com seu mais de 1,80m, nos fazia, a mim e ao pai, pequenos, e seus cabelos castanhos esbanjavam a vitalidade da juventude.

Saí, como de outras vezes, feliz por rever os amigos e, ao mesmo tempo, com o coração amargurado por ver que aquele lindo menino não poderia ter o mesmo destino de tantos outros.

Para o Edgard e a Cida, entretanto, àquela altura da vida, depois de tantas tentativas para a integração efetiva do Douglas, o mais importante era a felicidade do menino, que era o rei da casa, e no seu reinado fizera dos pais súditos felizes, que nada reclamavam do rei exigente, que requeria contínua atenção, zelos, carinhos e consultas médicas, para manter-se razoável nos limites que a existência lhe impusera.

Numa dessas consultas, o doutor – homem de muito tirocínio – antecipou aos pais que eles provavelmente não seriam súditos por muitos anos. Edgard e Cida entenderam, mas é sabido que os médicos erram, e o algum tempo deles costuma ser muitos anos. E valia lutar pelo menino. Valia ir à justiça e requerer o direito dele de frequentar a escolinha da APAE, que lhe fora subtraído. As crianças de Rio Preto amenizariam aquela injustiça, dizendo ao pai que tinham saudades do Douglas na escolinha.

O importante é que Douglinhas, dentro de suas naturais limitações, ia bem e continuava reinando, em Juiz de Fora, feudo de que o menino não gostava muito; em Rio Preto – na casa e na fazenda; em Volta Redonda, em Valença, em Aparecida do Norte e onde houvesse pastelarias, nas quais o menino se apresentava com voluptuoso apetite por pastéis.

Na fazenda, apreciava o lago, onde nadou quando bem criança; depois, como o lago costumava ficar meio turvo, passou a dar preferência à piscina de sua casa. Douglinhas gostava de limpeza... Apreciava cavalos, não só de brinquedos e, numa tarde de junho de 2015, quando ia cavalgar, sentiu-se muito mal, e a previsão do experiente doutor se confirmou.

Douglinhas viveu 21 anos. Edgar e Cida queriam mais, muito mais... Resignados ante os desígnios de Deus, levarão vida afora a lembrança daqueles olhinhos azuis, que lhes encheram de vida a própria vida.