A história que ninguém conta

..."e com um beijo de amor, o príncipe encantado desperta a sua amada do sono profundo. Olham-se apaixonadamente, reconhecem um no outro o amor.

E foram felizes para sempre.

_ Não, nós não fomos felizes para sempre. Eu sabia que assim como as minhas amigas, a Bela e a Branca, deveria me apaixonar perdidamente pelo cavalheiro que conseguisse me acordar. Não foi difícil, ele era alto e forte, exatamente como imaginei, tinha ombros largos, cabelos castanhos num corte um tanto ultrapassado, o que seria fácil resolver, olhos verdes, rosto másculo e uma boca macia. Foi respeitoso, nada de língua. Casamos um mês depois e nesse período nos vimos apenas em três ocasiões, num almoço em meu palácio, numa visita que fizemos ao seu reino e em nossa festa de noivado. Tinha certeza, era o homem da minha vida. O casamento foi o mais lindo que se teve notícia em todos os reinos, mas o atraso das obras no nosso castelo fez com que a princípio tivéssemos que morar com os seus pais. O Rei, um homem admirável, consciente e justo, nada interferia em nossa relação, já a sua esposa, a Rainha, era a típica mãe de menino, filho único ainda por cima, chantagista, vivia dizendo como morreria de solidão após a partida do seu menininho, o que fazia com que ele não se preocupasse em dar apressar os construtores, algo que eu mesma resolvi passando a ir todas as tardes, sem que ninguém soubesse, supervisionar tudo de pertinho. Três meses, algumas discussões e uma ameaça de greve de sexo depois, tínhamos o nosso lar. Era lindo. Demos uma festa de inauguração para as duas famílias. Quando todos se foram pudemos usar outro velho e bom clichê: _"Enfim sós." E de fato estávamos sós e por nossa conta. Era a nossa vida, parecia perfeito para mim. No primeiro dia percebi que não seria tão simples comandar um palácio, muitas decisões pra tomar e tudo dependia da minha escolha, do jantar até as cores das cortinas e tapetes. Ele passaria a manhã com pai aprendendo todos os macetes para estar preparado no momento da inevitável sucessão. Nos despedimos com um beijo apaixonado. Levanto e vejo meu reflexo no espelho, o cabelo estava horrível, precisava urgentemente de uma hidratação e pedi que o mensageiro marcasse uma hora no Salão de Beleza Real. Enquanto me arrumo, anunciam a chegada da bruxa, não a que me envenenou e todos conhecem, era a minha sogra mesmo. Vou a seu encontro e de longe a vejo conferir se os móveis estão limpos, passa o dedo indicador, olha e faz cara de reprovação. Tento não me incomodar. A criada Real pergunta o que fazer para o jantar, antes mesmo que eu responda já recebo uma enxurrada de informações a respeito do histórico alimentar do seu "menino". Jantar decidido, por ela, só espero que não queira ficar. Digo que tenho hora no Salão e prontamente resolve ir junto. Vou ao quarto pegar a bolsa, encontro uma toalha molhada em cima da cama, no banheiro, ceroulas e meias sujas dentro da banheira. Discutir a relação quando chegasse, mais um compromisso. Ao sairmos, diz, olhando para os meus cabelos negros, que ele sempre preferiu as loiras, o que a fez acreditar que teria netinhos com lindos cachos dourados, feito anjos. Finjo não ligar. Diz ter gostado da decoração, apesar de achar um pouco extravagante... o caminho seria longo. No Salão, controlo a vontade de cravar uma daquelas tesouras na sua jugular. Foram as duas horas mais longas da minha vida, só perdendo para o tempo que fiquei deitada esperando pelo meu príncipe, ao menos estava inconsciente, exatamente como gostaria de estar agora. Sobrevivi, o mais importante é que o cabelo ficou bom. Volto pra casa e pra minha sorte ela não veio junto. Encontro um caminho de pétalas que me conduz até o nosso quarto. Lá ele me espera envolto em lençol de seda. Esqueço-me da toalha molhada, das ceroulas e meias, da mala da sogra e tudo que não me contaram sobre o depois do final feliz. Tivemos momentos de tristeza como quando perdi o nosso primeiro filho, quando fui acometida por uma grave doença, quando passamos pela crise dos sete anos e até quando desconfiei que tivesse outra. Lutamos contra a rotina que assusta qualquer casal em algum momento, tivemos crianças adoráveis que se tornaram adolescentes rebeldes e que hoje são adultos bem resolvidos e superamos cada um dos problemas. Não foi sempre, mas fomos e ainda somos muito felizes. Espero que ainda bem longe do Fim!