Até pensei, o amor frustado
De todas as músicas de Chico Buarque, essa é a que mais gosto. não sei se por me identificar ou por outra razões. Ah, o amor!
Abraços a todos.
ATÉ PENSEI
Letras
Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caía, toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade morava tão vizinha
Que, de tolo, até pensei que fosse minha
Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre, tão pobre de carinho
Que, de tolo, até pensei que fosses minha
Toda a dor da vida me ensinou essa modinha
Diz o poeta que somos movidos a amor. Esse estranho e indefinível sentimento que nos leva a querer de corpo e alma o ser amado, que nos dá a sensação de que sua falta nos tira a razão de viver e que junto a ele temos a sensação que o mundo ao redor não existe, e mesmo assim temos a angústia ou medo de sermos por ele abandonado, é muito estranho. Nas estórias e romances, a narrativa sempre se prende aos acontecimentos, intrigas, desencontros, e um caldo enorme de sentimentos que desembocam, via de regra, em um encontro, um casamento, um final feliz. O curioso é que o corpo, o cerne desses contos se prende justamente à parte que o amor não se realiza. Tratam do amor não realizado, do amor que tem que ser contido por razões as mais diversas, morais, sociais, pessoais, etc.. Esse é o aspecto que desperta o maior interesse de quem acompanha a estória, e é explorado ao extremo pelo narrador. As novelas vivem disso. A audiência é diretamente proporcional à sofrência, ao amor frustado, interrompido por interesses outros, quase sempre ligados a interesses escusos, egoistas, sempre com uma ou muitas pitadas de maldade.
O final feliz é justamente onde deveriam começar as estórias de amor. Mostrar a plenitude da vida de duas pessoas que se amam, o entendimento, a compreensão, o crescimento dos amantes, proporcionados pela vida em comum. Como diria um intelectual: “ o vulgo não valoriza essa parte”. O que vale são as frustações, os ódios, as intrigas e demais baixezas da alma. As novelas mostradas recentemente pela Globo superam tudo que já se viu em termos de podridão da sociedade humana.
Voltemos ao amor. O nome dessa crônica refere-se à música de Chico Buarque, uma valsinha que diz: “junto a minha rua havia um bosque, que um muro alto proibia, lá todo balão caia e a dona do bosque nem via” e por ai vai até chegar “ do lado de lá tanta ternura e eu a espreitar na noite escura, que, de tolo, até pensei que fosse minha.” Ou qualquer coisa assim. Eu sou admirador,fã, tiete do Chico, conheço quase todas as músicas dele, mas essa sempre metocou mais. Quem de nós não teve aquele amor amado de longe, idealizado, objeto de sonhos, de complexas construções mentais e emocionais, que carregamos ao longo da vida, com uma pontinha de saudade da época que esse sentimento palpitava em nosso coração com muita força? Acho que essas lembranças é que nos identifica com as estórias de amor. E nos fazem viajar novamente nas águas de amores não realizados.
Chico Buarque realmente soube, nessa composição, retratar um sentimento do ser humano que carregamos em nosso inconsciente e aflora ao ouvir sua canção.
Paulo Miorim