O verdadeiro basquete de rua
Aquele domingo começou bem, sabe quando você amanhece inspirado? Seja pra conquistar aquela pessoa especial, pra estudar, ou, como nesse caso, para treinar. Eram seis horas de uma manhã de calor infernal quando peguei um ônibus para chegar a orla da minha cidade, no caminho, percebi um fato aterrorizante, a grande quantidade de moradores de rua no caminho que dava até a quadra. A orla que a noite era "point" da juventude e com o comércio mais caro e chique da cidade, apresentara pra mim seu lado obscuro, onde vários seres humanos deitavam abandonados em sua calçada, dormindo em sua própria miséria. Também era notável a chegada de várias pessoas para a praia logo cedo, a maioria vinda em ônibus super lotados e trazendo mantimentos para desfrutar da praia, sem precisar pagar dos absurdos preços dos produtos vendidos na praia.
Mas enfim, continuei meu trajeto com minha inspiração sem ser abalada pelas cenas que presenciei, talvez tenha sentido um pouco de medo, devido ao alto índice de criminalidade, mas não era momento de pensar nisso, era momento de treinar. Com tudo que o treino passava, o cansaço chegava e a adrenalina inspiradora se esvaziava, e então o medo também chegava, cada vez que eu parava entre um exercício e outro, observava atentamente os catadores de lixo passando de um lado pro outro em seus carrinhos de super mercado, as carroças passando pela rua e os mendigos que dormiam nos becos. Com o passar do tempo, também era notável a chegada de novos personagens naquele cenário, idosos e mulheres da alta sociedade correndo pela orla, alheios ao sofrimento que se encorporava em forma de obstáculo em suas calçadas. Mas fosse alta sociedade, ou morador de rua, quando passava por mim me olhava estranho, acredito que sem acreditar naquela cena, um rapaz jogando basquete sozinho na Orla em pleno verão às 6h da manhã? Eu também não acreditaria.
Então, um dos catadores de lixo parou do lado da quadra, era barbudo, velho e arrastava um carrinho cheio de lixo, mas em meio a sua barba eu notava um sorriso enquanto outro mais jovem dava a volta e chegava até até a porta para entrar na quadra, devo admitir que na hora meu corpo gelou, senti que iria ser roubado ali mesmo, mas então o catador entrou.
- Eu nunca joguei isso ai não, bora jogar? - ele falou sem esconder o sorriso
- Claro - falei, tentando esconder o medo.
Então brincamos de jogar basquete, apenas tentávamos acertar a cesta, nunca que eu sugeriria pra irmos um contra o outro, afinal ele não aprenderia todas as regras na hora, e devo admitir que tive medo dele ficar chateado se eu tentasse explicar tudo. Então brincamos por algum tempo, enquanto o catador mais velho gritava na grade, "Tu não sabe jogar isso aí não rapaz, vamos simbora", ele revezava essa frase com gargalhadas, embora eu ainda estivesse com medo, percebia em ambos os catadores uma alegria sem igual, principalmente no que jogava comigo, embora quase não fizera uma cesta, ele ria quando a bola voltava para sua mão e ele a passava pra mim para eu finalizar, e ainda mais quando ele mesmo finalizava a jogada, arremessando a bola sem jeito, mas que as vezes dava certo.
Depois de tanto insistir, o catador idoso conseguiu convencer o mais novo a ir embora, ele veio ate mim, e o medo apareceu forte novamente, mas então ele apenas apertou minha mão, me agradeceu e saiu da quadra de volta à sua realidade. O mais velho se despediu da grade mesmo e pegaram seu rumo de volta à sua rotina. Não fiquei totalmente tranquilo até ambos irem embora, mas depois fiquei pensando se todo aquele medo não teria sido preconceito da minha parte, afinal, ele só queria uma fuga daquele mundo pelo qual as pessoas passam todos os dias, mas não o vêem lá. Terminei meu treino e fui embora, a orla já não parecia mais tão legal.