POR MAIS UM PÃOZINHO
mini-crônicas
Eu queria escrever.
E sempre que penso em buscar por um tema ele espontaneamente me vem às minhas letras.
Parece dádiva...
Desta vez vou interagir dois temas que me surgiram no cotidiano, os quais eu os coloco à reflexão do leitor.
Cena I
Eu estava ali numa fila a esperar pela nossa vez, num desses órgãos públicos que nos identifica como seres existentes, todavia nem sempre existenciais.
O objetivo era o de poupar tempo para renovar meu registro geral que já tinha sido feito há dez anos, e ao mesmo tempo renovar o registro dum familiar bem idoso, cujo último documento havia sido feito há quarenta anos atrás.
Não é apenas a vida que é mister se renovar: há que se documentar as suas renovações para que sejam críveis ao entorno.
Estávamos numa fila preferencial quando ao chegar no balcão de atendimento, logo ali ao nosso lado, a recepcionista perguntou a alguém com não mais de trinta anos, a quem se podia plenamente confiar:
-Renovação de RG, senhora?
-Sim.
-Pagou a taxa?
-Estou desempregada.
-Sua carteira de trabalho, por favor.
Tão logo colocou a carteira de trabalho sobre o balcão, sua filha Nicole que a acompanhava, de seis anos, imediatamente explicou à recepcionista:
"ô Moça, mas eu sei que minha mãe vai arrumar emprego de novo, logo, logo, viu?"
Bem, difícil expressar na força das letras a sensação que temos quando sentimos a ansiedade, o desespero angustiante duma simples criança de seis anos, ao ver sua mãe desempregada.
Uma brasileirinha entre os tantos "brasileiros e brasileiras" que alimentam os discursos das promessas, e que também acreditam que sim.
Intimação:
Saí dali obrigada a também acreditar.
Cena II
Todos os dias, quando ela chegava para trabalhar, ela trazia pãezinhos, um para cada um.
Sei que o ato, simbólico, significava mais que uma dádiva às fomes das manhãs: passava pela padaria e sentia prazer no privilégio de poder dividir seu pão com a casa que lhe dava o sagrado trabalho.
Era uma festa poder degustar dum pão fresquinho com todos, nesses dias em que pouco tempo nos resta da vida agitada para se ter o privilégio de se esperar pela fornada dum pão quentinho.
De repente, o pãozinho sumiu.
Indagada do motivo ela respondeu assim:
"É que tenho vergonha de entrar na padaria e pedir só por um pãozinho".
Do que deduzi: tempos de se rogar pela re-multiplicação dos pães...e das consciências.
Assim entendi que temas de crônicas do dia-a dia interagem silenciosos no anonimato das vivenciadas mazelas dos diferentes atores, todavia, de gêneses advindas de idênticos protagonistas.
Cabe à sensibilidade humanística o cuidado de identificá-las e o dever de registrá-las, como num registro geral da verdadeira vida, nua e crua.
dedico essas crônicas a quem de direito e de legítimo poder.