imagem: arquivo pessoal

 
Adeus à Paineira Rosa

 
Hoje à tarde ela tombou. Cansada das dezenas de anos vividos, fechou os olhos, ou melhor, as flores, para esse mundo: a paineira rosa sucumbiu! Fiquei sabendo na hora. Acho que a cidade inteira ficou sabendo.  Pelo whatsApp vi as primeiras fotos, quase que em tempo real... A notícia repercutiu com a mesma emoção que se daria com uma filha ilustre do lugar, uma personalidade, alguém a quem se quisesse um grande bem... A paineira era uma espécie de símbolo... Talvez porque tenha existido desde sempre. Pelo menos é esta a sensação.

A paineira morreu. Não foi por chuva forte, não foi por tempestade. Só um ventinho fraco ventando pela praça em que morava. Não, não foi pelo vento, que vento não derrubaria fortaleza de tal porte. Foi mesmo pela idade que ela se foi. Passei por lá, para vê-la de perto. Fui prestar minha última homenagem, deitar meus olhos pela derradeira vez sobre seus galhos inertes, seu tronco atravessado na passarela como um gigante vencido. A sensação foi de dor, de perda, de profundo pesar.

A paineira rosa levou um pedaço da nossa história. Ela que mereceu a admiração dos moradores, os elogios mais louváveis, os versos dos poetas já não ostenta mais sua magistral beleza. Acabaram-se o toque romântico, nostálgico, os vestígios antigos e os sinais dos tempos de outrora em nossa praça. Foram-se os tons róseos que coloriram com tapetes de flores o verde do gramado. Despediu-se muito da nossa inspiração, um pedaço nato da nossa poesia...

Ver a paineira rosa dormindo seu sono profundo fez-me experimentar um estranho vazio na alma. Ela que do alto de seus galhos viu passar muito do cotidiano do nosso lugar partiu assim: num último grito de um espantoso estrondo que estremeceu os arredores. Adeus festas da praça, multidões reunidas nos gramados, coretos, juras de namorados, quermesses, crianças em algazarra, cantoria de passarinhos, roupagens de primavera! Testemunha de tanta vida ela, enfim, se recolheu para ser só um amontoado de galhos e troncos mortos. Raízes rasas declinaram da idade, curvaram-se ao peso dos anos... Como no fim de tudo, o fim que sempre chega.

Nunca mais a praça terá a mesma graça sem você, paineira rosa... Paro ao seu lado, rendo-me ao seu funeral, faço por ti e por todas as coisas efêmeras da vida um profundo momento de silêncio. Reverencio sua grandeza estendida aos meus pés. Amanhã virão as serras que darão conta dos seus últimos ossos e o seu vazio será eterno aos nossos olhos acostumados a vê-la naturalmente como parte da paisagem. Ainda que plantem outras paineiras, ainda que outras floresçam, nunca contarão as mesmas histórias que vão com você para o túmulo... Fica em mim, em nós, uma saudade imensa.