HOJE TEM ESPETÁCULO?

Desde criança que sou asmático. Quando criança sofria ainda mais porque não existia a bombinha, e as crises eram mais agudas devido aos esforços que fazia para acompanhar os folguedos próprios da meninice. Um desses esforços, não riam pelo amor de Deus, era cometido acompanhando pelas ruas da cidade, em meio à poeira, , o palhaço dos circos. Só quem viveu os anos dourados sabe o que significava para uma cidade do interior a chegada de um circo. Era uma festa! Um acontecimento! Um rebu! Era o assunto dominante na cidade durante toda a estada do circo. Ele subvertia radicalmente os usos e costumes. Não estou exagerando: até novenas, reuniões das igrejas, sessões da câmara e etc e coisa e tal eram alterados em função dos espetáculos do circo.

A festa começava com o desfile do circo pelas ruas. Não havia parada de sete de setembro, chegada de governqador, comício ou qualquer acontecimento que levasse tanta gente às ruas. O alvorço era incrível. Aqueles carros com as artistas, algumas delas deixando às coxas à mostra, os trapezistas, palhaços, ocorro dos animais, sempre um leão, às vezes um tigre, aquele desfile era impressionante, magnetizava e eletrizava as pessoas.

Nos dias seguintes, a propaganda do circo era feita pelos palhaços das pernas de pau. Por eles com a ajuda da molecada que os acompanhavam pelas ruas, a maioria delas sem calçamento. Sinceramente, até hoje não consigo entender como aqueles caras conseguiam andar tanto com aquelas pernas de pau. E o palhaço-chefe gritava: "HOJE TEM ESPETÁCULO?", e a molecada respondia: "TEM SIM SENHOR!", ele perguntava onde e a resposta vinha na ponta das línguas dos moleques. Após a maratona vinha o prêmio: éramos marcados com cinza ou tinta no braço para poder entrar de graça no circo.

E a função, isto é, o espetáculo? Era indescritível. Eu sempre preferi o número dos trapeziastas, aquele saltio mortal que dava aquelas voltas no ar, eles me dixavam com o coração tocando timbalada. E o Globo da Morte? Era fantástico. A garota do arame, era sempre muito bonita e frágil, era a namoradinha de todos os adolescentes. Um barato esse amor platônico. O mágico deslumbrava, o domador do leão era muito aplaudido, a gente não sabia que o leão estava velho e sem dentes. Pra que saber? Para estragar as coisas? E as rumbeiras? Eram elas que nos incitavam na descoberta dos jogos solitários. Havia ainda os engolidores de fogo, malabaristas e o atirador de facas, sem contar as trapalhadas dos palhaços. E para coroar a noite ainda havia o drama, um deles foi "Sansão e Dalila", as colunas que Sansão derrubava eram feitas de latas secas de Leitte Ninho, mas ninguém era contra o Leite Ninho.

O danado, hermanos, é que muitos amores, namoros antigosd e até npoivados eram desfeitos por causa do circo. Ele inspirava paixões. Muitas nivinhas de aliança no dedo endoidavam por trapezistas, mágicos, toureiros, cantores e, não riam, até por palhaços dom-juans. Era mesmo um mundo mágico, houve até uns carinhas que quiseram aprender a arte circense e foram embora com o circo, mas todos voltaram.

Eu sei mesmo que os tempos mudaram e é irreversível a marcha do progresso, e hoje o cico perdeu a sua magia, só restam alguns circos mambembes. É pena. Mas ficou a lembrança nas nossas mentes e corações, principalmente o grito do palhaço: - Hoje Tem Espetáculo? E a gente respondia: - Tem sim senhor. Viva o circo.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 27/08/2015
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