VOU-ME EMBORA PRO PASSADO...
Lendo Jessier Quirino e a sua poesia “Vou-me embora pro passado”, percebi quanta diferença entre a juventude de hoje e a de ontem, a começar pelas brincadeiras de rua.
Jogo de pião, empinar papagaio (pipa), brincar de bandeirinha (o bairro Doze Anos contra o Alto da Conceição, separados pela “linha do trem” e o “mata-pasto” que acompanhava os trilhos – da altura de um homem em pé – onde o prêmio era conseguir enganar os rivais e trazer a bandeirinha que estava sendo vigiada, uma em cada bairro), brincar de carrinho feito de lata de “leite Ninho”, eram os divertimentos mais populares que existiam.
Não tinha essa história de cabeleireira ou salão de beleza e estética, e sim, tinha a “máquina zero” do barbeiro João Batalha, na Rua da Palha (Rua Lopes Trovão) ou a gilete de Dona Maria que raspava o “quengo” deixando apenas a tapioca em cima do “coco”, causando um visual, para quem via, entre o azulado e o vermelho da irritação.
As aulas particulares, dadas por Dona Terezinha do Seu Pio, eram por vezes dolorosas e muitas vezes a palmatória “comia solta” se não soubesse a lição. A recompensa vinha quando não havia aula – por um motivo ou outro – e a “corriola” de meninos ia fazer uma “visita” (por conta própria, sem a necessidade do convite) ao campo de aviação e lá saborear os deliciosos cajus que se multiplicavam em pés que circundavam todo o aeroporto.
Ganhar o dinheiro da semana era no Café Vitória (enchendo os saquinhos de colorau e de fubá de milho) ou então no Armazém de Seu Paulo, enchendo saquinhos de sal, ambos localizados na Rua Princesa Isabel. Nesses ambientes de trabalho, o momento mais esperado era o da hora da merenda. Essa era trazida pelo Seu Alcides, numa bicicleta de bagageiro, e tinha como carro chefe o bolo “Felipe” e o refresco de cajarana (este acondicionado em um litro de vidro que era balançado na hora de servir, para que a mistura de água e de sumo da cajarana ficasse homogênea). Porém, ao término do lanche, o que ficava de óleo nas mãos e na boca, dava para torrar um quilo de “tripas” ou fritar uma dúzia de ovos, mas mesmo assim era gostoso por demais.
O banho no rio de “Maria Rodrigues” era sagrado e o local mais apreciado era o “burrim”, no centro, ou então, a barragem de “Genésio”, no “Saco” (hoje, bairro Belo Horizonte). O único problema era a chegada em casa, pois o divertimento vinha sempre atrelado aos “cascudos” e “puxavantes” de orelhas, esses, dados pela genitora que já sabia da “manha” de como descobrir se a “molecada” tinha ido “escuvitiar” em águas que não fossem a do banheiro da própria residência. Era simples: bastava passar a unha sobre a pele do braço ou das costas e, se ficasse “cinzento”, a análise estaria completada, sendo o “pequeno infrator” fartamente acariciado pelos ditos substantivos acima.
Exame de admissão (passagem da 5ª série para o 1º ano do ginásio) era mais difícil que vestibular e passar, motivo de comemoração, equivalente ao término de um curso de graduação.
Os colégios mais procurados eram o Estadual, O Diocesano (Padres Sátiro e Alcyr), a União Caixeiral (do Professor José Araújo) e, logicamente, o Colégio das Irmãs (frequentado, na época, apenas por moças numa espécie de internato, tendo, inclusive, a minha genitora, feito parte dessa história). Passei por todos, menos o Colégio das Irmãs, claro.
Das disputas entre Estadual e Diocesano (por sinal os “pés de mangas” de Padre Sátiro eram alvos constantes de nossas “visitas”), da União Caixeiral formando a maioria dos profissionais que trabalham na Contabilidade de Mossoró, e do Ginásio Municipal (perto do “Alto do Louvor”), ficou a lembrança de um ensino de ótima qualidade, com mestres competentes e compromissados.
Não poderia deixar de falar sobre a “Casa do Bispo” e os pés de seriguela e tamarindo, comidos até os dentes ficarem “desbotados” e sem poderem tocar uns nos outros. Os pés de goiaba da casa do Senador Duarte Filho eram muito apreciados por nós, que vínhamos famintos, ao “pingo do meio dia” e, claro, era um meio inocente de saciar a fome. Porém, era somente isso.
Outro tipo de divertimento era o de andar de elevador, no prédio do Banco Mossoró (o primeiro a ter elevador na cidade, salvo engano), o que constituía novidade e curiosidade ao mesmo tempo, assim como a televisão na casa de Seu Ivanildo (Av. Rio Branco), onde assistíamos ao Telequete Montilla com Ted Boy Marino, o Caveira, Rasputin, dentre outros.
Em termos de baile, o Clube Ypiranga era o mais frequentado e o mais popular, com suas noites de domingos ao som de Inflamáveis, Bárbaros, Tremendões e repertório musical dos Beatles, Renato e seus Blue Caps, Fevers, Roberto Carlos, etc. Era uma brasa mora!
O Vestuário era, no mínimo, “estiloso”: calças de tergal ou nycron, veludo, Lee ou US Top e camisas de volta ao mundo ou cacharrel, com sapatos cavalo de aço ou 752 Vulcabrás e acessórios tipo: cinto com fivela imensa, medalhão pendurado no peito, sem contar que as calças eram “bocas de sino”, com “nesgas” de napa para dar um “realce” maior à boca.
Era costume, antes de entrar no Clube Ypiranga, dar uma passadinha no “Beco das frutas” e tomar uma “lapada” para esquentar o “bucho”, sendo o “tanque” completado no bar do clube, com um copo de Montilla com Coca, não sem antes acender um cigarro Arizona ou Continental, imitando o jeito de Clark Gable ou Humphrey Bogart para impressionar as “gatinhas”. Era o máximo!
Na volta, duas paradas obrigatórias: a lanchonete de Seu Fransquim (ferro de engomar na subida da ponte) onde era servido o melhor pastel da cidade e no “Bar dos Doidos” (prédio da antiga Fimac) onde o cachorro-quente era o lanche preferido.
A AACDP era o ponto de encontro aos domingos, pela manhã, para se tomar banho de piscina (outra novidade para a época) e no bairro da Boa Vista tinha a tertúlia de “Pajeú”, o bar de “Elpídio” e a praça onde os namoricos aconteciam.
Tempos de pente Flamengo, do perfume Lancaster (comprado na tampinha, na mercearia do Seu “Lopim” – perto da farmácia São João), da brilhantina no cabelo para deixá-lo liso e brilhante, das serenatas com radiola (quando a agulha enganchava era um sufoco para consertar no escuro!), das tardes de futebol, onde hoje é o SESI, do programa de calouros de Seu “Mané”, na Rádio Rural, do Cine Pax do porteiro “Balão”, do Cine Cid (Al Di Lá era o tema de abertura para o início da sessão – e tema do filme “Candelabro Italiano”), do bar Suez e suas sinucas e bilhares, dos postes da COMENSA e muito mais, que sempre será lembrado por todos aqueles que viveram os áureos tempos de Roy Rogers, Rin TinTin, Twist, Vespa, Coronel Ludugero, Combinação, Califon, Postafén, Grapette, Regulador Xavier e Capiloton. Enfim: “vou-me embora pro passado...”
Lendo Jessier Quirino e a sua poesia “Vou-me embora pro passado”, percebi quanta diferença entre a juventude de hoje e a de ontem, a começar pelas brincadeiras de rua.
Jogo de pião, empinar papagaio (pipa), brincar de bandeirinha (o bairro Doze Anos contra o Alto da Conceição, separados pela “linha do trem” e o “mata-pasto” que acompanhava os trilhos – da altura de um homem em pé – onde o prêmio era conseguir enganar os rivais e trazer a bandeirinha que estava sendo vigiada, uma em cada bairro), brincar de carrinho feito de lata de “leite Ninho”, eram os divertimentos mais populares que existiam.
Não tinha essa história de cabeleireira ou salão de beleza e estética, e sim, tinha a “máquina zero” do barbeiro João Batalha, na Rua da Palha (Rua Lopes Trovão) ou a gilete de Dona Maria que raspava o “quengo” deixando apenas a tapioca em cima do “coco”, causando um visual, para quem via, entre o azulado e o vermelho da irritação.
As aulas particulares, dadas por Dona Terezinha do Seu Pio, eram por vezes dolorosas e muitas vezes a palmatória “comia solta” se não soubesse a lição. A recompensa vinha quando não havia aula – por um motivo ou outro – e a “corriola” de meninos ia fazer uma “visita” (por conta própria, sem a necessidade do convite) ao campo de aviação e lá saborear os deliciosos cajus que se multiplicavam em pés que circundavam todo o aeroporto.
Ganhar o dinheiro da semana era no Café Vitória (enchendo os saquinhos de colorau e de fubá de milho) ou então no Armazém de Seu Paulo, enchendo saquinhos de sal, ambos localizados na Rua Princesa Isabel. Nesses ambientes de trabalho, o momento mais esperado era o da hora da merenda. Essa era trazida pelo Seu Alcides, numa bicicleta de bagageiro, e tinha como carro chefe o bolo “Felipe” e o refresco de cajarana (este acondicionado em um litro de vidro que era balançado na hora de servir, para que a mistura de água e de sumo da cajarana ficasse homogênea). Porém, ao término do lanche, o que ficava de óleo nas mãos e na boca, dava para torrar um quilo de “tripas” ou fritar uma dúzia de ovos, mas mesmo assim era gostoso por demais.
O banho no rio de “Maria Rodrigues” era sagrado e o local mais apreciado era o “burrim”, no centro, ou então, a barragem de “Genésio”, no “Saco” (hoje, bairro Belo Horizonte). O único problema era a chegada em casa, pois o divertimento vinha sempre atrelado aos “cascudos” e “puxavantes” de orelhas, esses, dados pela genitora que já sabia da “manha” de como descobrir se a “molecada” tinha ido “escuvitiar” em águas que não fossem a do banheiro da própria residência. Era simples: bastava passar a unha sobre a pele do braço ou das costas e, se ficasse “cinzento”, a análise estaria completada, sendo o “pequeno infrator” fartamente acariciado pelos ditos substantivos acima.
Exame de admissão (passagem da 5ª série para o 1º ano do ginásio) era mais difícil que vestibular e passar, motivo de comemoração, equivalente ao término de um curso de graduação.
Os colégios mais procurados eram o Estadual, O Diocesano (Padres Sátiro e Alcyr), a União Caixeiral (do Professor José Araújo) e, logicamente, o Colégio das Irmãs (frequentado, na época, apenas por moças numa espécie de internato, tendo, inclusive, a minha genitora, feito parte dessa história). Passei por todos, menos o Colégio das Irmãs, claro.
Das disputas entre Estadual e Diocesano (por sinal os “pés de mangas” de Padre Sátiro eram alvos constantes de nossas “visitas”), da União Caixeiral formando a maioria dos profissionais que trabalham na Contabilidade de Mossoró, e do Ginásio Municipal (perto do “Alto do Louvor”), ficou a lembrança de um ensino de ótima qualidade, com mestres competentes e compromissados.
Não poderia deixar de falar sobre a “Casa do Bispo” e os pés de seriguela e tamarindo, comidos até os dentes ficarem “desbotados” e sem poderem tocar uns nos outros. Os pés de goiaba da casa do Senador Duarte Filho eram muito apreciados por nós, que vínhamos famintos, ao “pingo do meio dia” e, claro, era um meio inocente de saciar a fome. Porém, era somente isso.
Outro tipo de divertimento era o de andar de elevador, no prédio do Banco Mossoró (o primeiro a ter elevador na cidade, salvo engano), o que constituía novidade e curiosidade ao mesmo tempo, assim como a televisão na casa de Seu Ivanildo (Av. Rio Branco), onde assistíamos ao Telequete Montilla com Ted Boy Marino, o Caveira, Rasputin, dentre outros.
Em termos de baile, o Clube Ypiranga era o mais frequentado e o mais popular, com suas noites de domingos ao som de Inflamáveis, Bárbaros, Tremendões e repertório musical dos Beatles, Renato e seus Blue Caps, Fevers, Roberto Carlos, etc. Era uma brasa mora!
O Vestuário era, no mínimo, “estiloso”: calças de tergal ou nycron, veludo, Lee ou US Top e camisas de volta ao mundo ou cacharrel, com sapatos cavalo de aço ou 752 Vulcabrás e acessórios tipo: cinto com fivela imensa, medalhão pendurado no peito, sem contar que as calças eram “bocas de sino”, com “nesgas” de napa para dar um “realce” maior à boca.
Era costume, antes de entrar no Clube Ypiranga, dar uma passadinha no “Beco das frutas” e tomar uma “lapada” para esquentar o “bucho”, sendo o “tanque” completado no bar do clube, com um copo de Montilla com Coca, não sem antes acender um cigarro Arizona ou Continental, imitando o jeito de Clark Gable ou Humphrey Bogart para impressionar as “gatinhas”. Era o máximo!
Na volta, duas paradas obrigatórias: a lanchonete de Seu Fransquim (ferro de engomar na subida da ponte) onde era servido o melhor pastel da cidade e no “Bar dos Doidos” (prédio da antiga Fimac) onde o cachorro-quente era o lanche preferido.
A AACDP era o ponto de encontro aos domingos, pela manhã, para se tomar banho de piscina (outra novidade para a época) e no bairro da Boa Vista tinha a tertúlia de “Pajeú”, o bar de “Elpídio” e a praça onde os namoricos aconteciam.
Tempos de pente Flamengo, do perfume Lancaster (comprado na tampinha, na mercearia do Seu “Lopim” – perto da farmácia São João), da brilhantina no cabelo para deixá-lo liso e brilhante, das serenatas com radiola (quando a agulha enganchava era um sufoco para consertar no escuro!), das tardes de futebol, onde hoje é o SESI, do programa de calouros de Seu “Mané”, na Rádio Rural, do Cine Pax do porteiro “Balão”, do Cine Cid (Al Di Lá era o tema de abertura para o início da sessão – e tema do filme “Candelabro Italiano”), do bar Suez e suas sinucas e bilhares, dos postes da COMENSA e muito mais, que sempre será lembrado por todos aqueles que viveram os áureos tempos de Roy Rogers, Rin TinTin, Twist, Vespa, Coronel Ludugero, Combinação, Califon, Postafén, Grapette, Regulador Xavier e Capiloton. Enfim: “vou-me embora pro passado...”
Obs. Imagem do Banco de Mossoró. Neste prédio foi instalado o primeiro elevador de uma repartição privada da cidade (Blog de Lairinho Rosado).