SOBRE A ARTE DE VIVER E ESCREVER

Para aqueles que escrevem viver e escrever parecem ser duas palavras que se confundem. Estamos falando daqueles que amam se perder no universo infinito das palavras, aqueles que constantemente transformam pensamentos em enunciados, em conceitos, em narrativas... Tudo através da escrita. Para tais pessoas a vida deve e tem que ser escrita. Viver é escrever, ou seja, um modo de ser pelo qual a vida se faz vida por meio da criação escrita. Mas até que ponto quem escreve é coerente consigo mesmo?

Com isso quero perguntar se aquilo que o escritor escreve se converte em uma verdade para ele, ou se é apenas produto de sua imaginação sem que haja qualquer interesse, por parte deste, em justificar e legitimar suas sentenças. Será aquilo que se escreve resultado das convicções pessoais do autor ou será, tão somente, um exercício artístico onde as palavras se transformam em jogos e adquirem sentido, mesmo estando completamente distantes das convicções de quem as escreve?

Quando escrevo, até que ponto minhas opiniões pessoais estão inseridas no meu texto? Ou, ao contrário, quando escrevo, será que estou apenas brincando de “Deus”, no sentido de estar constantemente nomeando, atribuindo valor, criando e destruindo de acordo com minha própria e livre vontade? Certa feita, Fernando Pessoa disse que “o poeta é um fingidor”. Isso porque, para ele, o poeta, no seu poetar, “finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Com o escritor seria diferente?

Por outro lado, Nietzsche certa vez também falou que, de tudo aquilo que se escreve, apreciava somente aquilo que o escritor escrevia com o seu próprio sangue. O filósofo ainda foi além e afirmou: “escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito”. E agora? Talvez a solução fosse encontrar um caminho que oferecesse justo meio entre as duas situações. Pois é bem certo que, ao escrever, estamos embriagados por toda uma vivência cultural adquirida através dos tempos, mas que não podemos negar o talento e a genialidade daquele que escreve.

Ao que parece, mesmo que o escritor seja profundamente influenciado por sua visão de mundo, no final sua extraordinária habilidade para a escrita acaba por se materializar no texto; seja ele jurídico, jornalístico, científico, literário, poético. Também não acreditamos na completa disposição do “eu lírico”. Somos seres dotados, além de razão, de emoção e sentimentos. Portanto, dificilmente teríamos capacidade suficiente para escrever de forma isenta de parcialidade. Ficamos com a opinião de que há tanto doação de si quanto capacidade de apresentar diferentes ideias. Ainda que tais ideias nem sempre representem aquilo que o escritor toma por verdade.