Assim...ou nem tanto 6

Sono

Nesse sono leio o abandono. Já deixaste de ser a terra que, arada, foi mãe de todas as ervas, de todas as flores, dos caminhos onde acesas enegreceram de pasmo as nossas bocas. Ainda há pouco li as pausas da tua língua, os dedos a varrer a pele, o suor a correr dos teus mamilos para a ponta de um ventre úbere, doce, manso. E agora dormes. O teu sono é o desligar de todas as promessas. Nem a grade dos meus braços já te prende, nem os rumores da nossa sede acodem à luta. No sono Já ninguém disputa o tempo, o sangue, a semente. E todo o escuro nos tapa. Um mínimo acento de luar completa o que adivinho. A boca ainda a saber a vinho, a carne largada aos dedos, aos vagares e aos medos. Os gritos. Há sempre gritos que correm por dentro e se perdem neste silêncio denso. A vontade é um rio que se gasta logo que acabe o tempo e o sangue te faça vida, apelo, cio. Não há amor nesta guerra de vontades, de livres voos por onde se vai e se regressa. E dormes. Passa, hiante, a tua morte e já nua te liberta de viver o fogo, te atira, assim imóvel, ainda morna, para o espaço dos eternos cansaços onde já penam os amantes do mundo. Acorda que é tempo e sai desse campo de brasas, desses corpos a quem o teu espírito já se entrega. Acorda e vem. Vê como ainda te espero, como quero voltar a morrer deitado na tua voz de terra e no teu corpo ser maré no alisar do trigo. Acorda e ama-me. Que o meu sangue te mostre, na raiva do amor, a melodia.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 25/08/2015
Código do texto: T5358929
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