A SACADA - EC
Na vila de acesso restrito havia sete casas, nenhuma poderia se enquadrar ao conceito de modesta, mas uma em especial chamava atenção, pois era a única que ostentava uma ampla varanda. Toda a fachada do imóvel fora pintada de laranja, as janelas e batentes todos na cor brancas, mas as paredes da sacada eram de um contrastante amarelo suave. Um rápido olhar proporcionava a impressão de tratar-se de um pedaço do sol encravado na lateral da vila. Visão boa de ter!
A menina que residia na vizinhança, notou que quase todas as tardes um homem de chapéu portando uma bengala, sentava-se em um banco de madeira localizado quase ao centro da sacada. Passou a observar diariamente até concluir que ele de fato era deficiente visual. Ficava sentado ali por algum tempo, “olhando” o entardecer, e isso muito a intrigava. Certo dia encontrou o homem no calçamento interno e sem qualquer timidez o abordou gentilmente.
- Oi tio!
Aquela voz suave tão pueril quanto atrevida lhe provocou imediata simpatia, trocaram alguns breves comentários sobre o calor, quando enfim ela soltou a pergunta que alimentava:
- Por que fica lá sentado toda a tarde?
- Por que gosto da minha casa e da vista que tem. Você também não acha a casa bonita?
-Acho, mas o senhor não vê! –a constatação quase que saltou de sua boquinha.
O homem sorriu e pediu à menina para que se sentassem em um banco ali próximo. Então diante do olhar interessado e curioso dela respondeu:
- Princesinha. Quando você passa seu batonzinho, arruma os cabelos e saí para a rua, você não está se vendo o tempo todo certo? - ela aquiesceu com a cabecinha, e ele pressentindo continuou – mas se sente feliz com seu visual e com o que os outros possam estar pensando ao lhe ver não é? – desta vez houve um “hum hum” – O mesmo acontece comigo. Não posso ver minha casa e suas cores, mas sinto-me aquecido pela beleza e harmonia que dela emanam. E quando no entardecer o sol incide na casa, se despedindo, gosto de sentir seu abraço lembrando sempre que sou parte de tudo que aqui está... mesmo que eu não possa ver .
- Entendi! - respondeu rapidamente levantando-se quase que a correr em direção aos brinquedos que deixara do outro lado da rua. Ele nunca soube o quanto ela de fato compreendeu, mas a partir daquele dia ao vê-lo lá sentado ficava atenta para assistir o tal abraço no homem que usava batom!