IMITE O BATMAN

Protagonizar é sempre bom. Mas implica, obviamente, em consideráveis responsabilidades... Ontem me dei conta de talvez a maior delas.

Saí com uma amiga; só nós e o carro dela. Sou fã do Batman e ela sabe, e por saber, pediu-me para ser a mulher-gato. Curiosamente estávamos de preto, e por sorte ela não tinha um chicote. Bom, não tinha porque não adentrar na fantasia (ela não ia me machucar mesmo). Demos algumas voltas soltas e ela me perguntou para onde iríamos. No banco do passageiro, mesmo sendo o Batman, eu era apenas um coadjuvante. Aquela não seria uma noite onde as decisões coubessem ao Morcego. E nas histórias do Batman isso é algo ligeiramente comum. Talvez seja ele o único herói que, circunstancialmente, deixa o papel principal para os coadjuvantes que só existem para justificá-lo. Não são poucas as histórias da mulher-gato, ou do Robin, ou qualquer outro que por algum momento tem sobre si as luzes do espetáculo.

Conversando com minha amiga – depois de ela ter escolhido o lugar para onde iríamos – eu me dei conta do mais fascinante de qualquer história. A troca de papéis, aliás, a inversão deles. Todos queremos protagonizar. No teatro social ninguém quer ser coadjuvante de ninguém. É dificílimo sentar no banco do carona e aceitar os caminhos e voltas que a outra pessoa queira dar. Narciso não anda de carona. Não entra no segundo ato. Conversando com minha amiga eu vi o único poder do Batman, o que mais nenhum outro herói tem: o de permitir que a noite seja também do outro. Ontem o morcego andou de carona, e nem no Batmóvel foi, estávamos no carro dela.

Ontem me dei conta da maior responsabilidade de protagonizar, que é justamente saber não ser o principal. O risco de ser um personagem de mim mesmo é depender do veemente aplauso alheio. Estar no palco e ter sobre si as luzes do espetáculo é muito bom. Alias, é ótimo! É a chance de dar evidência às características do meu personagem. Socialmente isso é fantástico, sou quem escolho ser. Permito que os olhos do outro enxerguem com nitidez o figurino que construí e juro que sou eu.

A maioria de nós não sabe, mas somos tão bons atores que às vezes acreditamos em nossas interpretações... Mas o pior ainda não é isso. Existem pessoas que não descem do palco por nada, já estão a tanto tempo ali, tão acostumadas aos aplausos, que se esquecem que, em algum momento, as cortinas vão ter de fechar, que os outros personagens também tem falas. Esses atores são diretores de si mesmos. São os produtores, e quando não satisfeitos, são capazes de se aplaudir. Eles convertem o espetáculo, o que era pra ser uma história, torna-se um monólogo. Somente um pode falar. Eles não querem imitar o Batman, não querem o anonimato. Detestam Hamlet com aquela conversa de ser ou não ser. Eles não têm dúvida, querem sempre ser!

Vale a pena imitar o Morcego, máscaras todos nós temos. E isso não é ruim tal como se pensa. Às vezes o que está sob o capuz é mais assustador do que o próprio. No teatro social, inevitavelmente teremos de atuar. Se você não subir até o palco, alguém irá te jogar lá. Em algum momento os holofotes irão incidir sobre você. Dá um pouco de medo, mas é possível. É bom! Mas não se esqueça e, tome cuidado, o mais desafiador de todo espetáculo é saber a hora de descer do palco. Faça feito o Morcego, permita que a noite seja de outros também.

Texto extraído do livro Kimera, a Fragilidade do Óbvio.