Rua

Era uma manhã como qualquer outra daquele mês, o vento congelava os cílios e a ponta do meu nariz insistia em ficar vermelha. Era como se estivesse nua andando na neve, de nada adiantara aquela blusa de lã que a vendedora insistira em me vender por um preço abusivo, era um frio rígido com ou sem ela.

Minha mãe sempre me dizia que frio era psicológico, e talvez seja essa a razão pra tanto desconcerto. Eu tinha apenas 19 anos, mas meu estado de espírito insistia em me fazer parecer uma velha de 53 anos no auge da sua viuvez com cinco gatos em cada cômodo da casa, destino mais que previsível para mim. Passo pela mesma rua todos os dias, nada mais me impressiona nada novo pra contar ou descobrir. Tenho a monotonia como aliada.

Era uma rua longa, com um numero maior de casas do lado esquerdo da rua. Por isso sempre insisti em passar pelo lado direito, não queria que ninguém me notasse, o que não era muito difícil. Minha mãe sempre insistiu em dizer que minha beleza era rara, que meus cabelos ruivos caracolados, minhas bochechas rosadas e estatura mediana me davam um ar de mistério e sempre resaltava; minha filha é disso que os homens gostam com um tom egocêntrico difícil de não perceber. Até que eu gostava do meu cabelo, mas não tinha tanta certeza assim da minha beleza, até aquele dia.

Meus olhos não acreditavam no que viam, realmente já não compreendia se era real ou alguma alucinação causada pela dor de cabeça que tivera mais cedo, continue andando, desta vez mais devagar que o normal. Mas os passos só aumentavam meu pavor. A imagem clareou e por fim pude perceber, era realmente o dono do meu desespero, eram os mesmos olhos claros de cabelos pretos e sorriso contagiante de sempre, vestia uma roupa despojada, calça preta, um tênis de marca qualquer e uma blusa azul o que realçava seu tom de pele. Minhas pernas não paravam quietas, o que me fazia repetir a cada passo:

– Mantenha-se firme! É uma ordem!

Estava certa que ele não me reconheceria, mas para minha surpresa, parou diante de mim, podia perceber a pausa longa que minha respiração dava, na verdade, qualquer um podia perceber. Andei mais alguns passos ate ficarmos frente a frente, ele não disse nada, só sorriu e eu por um impulso o abracei. Como pode, era o mesmo perfume o mesmo que o ajudei a escolher, minha cabeça estava a mil e meu coração também.

O soltei depois de um longo tempo, um pouco corada por perceber que demorara demais no abraço. Ele, no entanto, estava radiante e nobre, acabou por tirar minha touca, sempre me disse para não esconder meus cabelos beijados pelo fogo. Tudo me remetia à felicidade da nossa época, onde éramos amigos inseparáveis, tudo bem que pra mim fosse um pouco mais que isso. Mas tudo aquilo também tinha um cheiro triste, cheiro de partida era como se cinco anos voltassem e a dor de perdê-lo para um novo país tomasse conta de mim. Não conseguia entender o que ele dizia, só queria uma resposta, o que ele fazia aqui tão longe da sua realidade atual?

Ele era o motivo da minha monotonia cotidiana, nada durante tanto tempo foi tão bom quanto fora com ele. E pelas poucas palavras que pude compreender devido ao estado de transe em que me encontrava, ele voltara para cá, ele voltara para mim. Ele agora morava naquela rua, tão longa e detestável, escolhera o lado direito da rua, por que de acordo com ele era onde poderia melhor avistar o por do sol, o que significava que eu não precisaria mudar de calçada.

Não acreditava no que aquele dia me reservara, olhei sem querer o seu relógio, já estava quinze minutos atrasada. Tive que me despedir mesmo com o medo de não o ver mais, mas no fundo sabia que ele me esperaria assim como o esperei. Por fim, demos passos opostos, os mais dolorosos da minha vida, avistei uma lixeira e ali joguei a minha touca estava decidida a não usa-la mais. Não olhei para trás mais antes de virar a esquina, mas pelo canto de olho, percebi que ele ainda me observava pelas frestas do seu portão. Sabia que aquela rua ainda me reservaria muita emoção.