O Último Balet

Caminhando em silêncio na Beira-Mar, ia como se caminhasse em câmera lenta. Seu olhar perdido chamava a tenção de quem passava pela vizinhança. Vestido longo de viscolycra florido com estampas que variavam de verde claro ao vermelho das flores. As alças do vestido caíam sobre os ombros mas o vestido não caía devido aos bojos e o elastec das costas. Cabelos soltos ao vento mal penteados. Os pés descalços com unhas bem pintadas em esmalte vermelho eram bem delicados mas mesmo assim mancava um pouco tentando manter a elegancia ao caminhar. Nas mãos carregava um par de sandálias douradas com pedrinhas brilhantes, que se balançavam conforme andava.

Parecia nem ver as pessoas. De repente deitou-se em um canteiro de flores próximo á rodoviária e ali sorrindo fechou os olhos. Embora amassasse as flores do canteiro, ninguém ousou interrompê-la. Parecia em transe e nada do que fizessem iria tirá-la desse devaneio.

O vento balançava ferozmente seu vestido e ele ficava parecendo uma tenda vez por outra. Olhos abertos, fitava o céu e acho que ela via as nuvens brincando de virar bichinhos por causa do vento, porque de vez em quando sorria e dizia alguma coisa pra si mesma apontando para o alto.

O sorrizo quase infantil, entre bobo e agitado. A sua atitude fez com que fossem juntando pessoas em sua volta. Ela não se importou. Continuou ali no seu devaneio até que o guarda da rodoviária veio ter com ela. Ele pegou-a pelo braço e ela nem reagiu. Continuou sorrindo, levantou-se e foi sendo levada por ele até a rodoviária. Lá chegando ele soltou-lhe o braço e ela virou-lhe as costas e foi andando de volta a rua. Displiscente e lentamente a sorrir seguiu até a ponte. Passava entre os carros que lhe buzinavam estridentemente. Chegando ao alto da ponte ela subiu na amurada e ficou ali sentada a observar a água.

O povo começou a ficar dezesperado. Começaram a ver naquela jovem de apenas uns dezoito anos uma suicida. Alguém chamou os bombeiros. O guarda ficou triste e sentiu-se culpado. O número de pessoas já passava de cem. O trânsito parou na ponte. Tentavam falar com ela mas ela parecia longe e nem ouvia.

A Marinha foi avisada e colocou um barco em baixo para o caso dela resolver pular.

Ela subiu totalmente na amurada da ponte e ficou a andar meio equilibrada. Caminhou uns dez passos, com os braços abertos e uma sandália em cada mão, deixando a todos desesperados. A esta altura já passavam de duzentas pessoas a acompanhar o dilema da moça. Chamaram a imprensa falada e televisionada A TV local anunciou e mostrou as imagens da jovem no alto da ponte. Os celulares não paravam de tocar. Os bombeiros pediram que fossem desligados e também orientaram a todos os motorias que parassem com as buzinas para que ela não se assustasse. O capitão dos bombeiros junto ao Sargento da Polícia Militar tentavam falar com ela, em vão.

De repente chegou um homem correndo pela ponte e apenas ela olhou pra ele, deu adeuzinho com a mão e saltou para frente.

O vestido parecia um balão cheio de ar e ela ficou parecendo uma medusa a bailar no ar até que num rodopio final com um sorrizo lindo, afundou nas águas do mar. O barco da marinha chegou até ela e um cabo mergulhou atrás dela.

O homem desmaiou quando ela pulou. Alguns soldados do Corpo de bombeiro acudiram o homem e o colocaram em uma ambulância. Outros desceram com uma corda pela amurada na esperança de poder ajudar. Próximos da água viram o cabo da marinha afundar atrás da moça preso por outra corda e voltaram para a ponte. O cabo da marinha voltou sem a moça. As águas estavam muito turvas.

O homem, voltou do desmaio e contou a todos que ela se chamava Sophia e era bailarina desde pequena. Ha alguns dias, com fortes dores nos pés, procurou um médico que a dignosticou com uma síndrome, que faria com que seus pés ficassem atrofiados a cada dia. Ela nunca mais poderia dançar. Era sua única filha. Tinha apenas dezessete anos. Ha mais de uma semana ela soubera do diagnóstico e passara a ter comportamentos estranhos. Desapareceu há 12 horas e ele estava a sua procura quando vira pela TV.

Por mais que fossem esforçados, ninguém conseguiu encontrar o corpo da moça. Foi feita uma varredura na água naquelas redondezas e mesmo assim não foi encontrado. O jeito foi esperar.

A ironia é que para uma bailarina, a sua última dança teria sido um rodopio a caminho da morte.

O trabalho de busca realizado pelos bombeiros e polícia foi ineficaz, mas acompanhado de perto pela multidão e também por um vulto sujo e encharcado, abraçado as pernas, que sentado a beira do canal observava a cena com um sorrizo louco no rosto. As buscas foram encerradas e a bailarina dada como morta ou desaparecida e vida voltaria ao normal. No dia seguinte o vulto havia desaparecido.

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 18/08/2015
Reeditado em 18/08/2015
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