Mala sem rodinhas (I)

A expressão mala sem alça está caduca. Malas sem alças eram coisas do passado, de quando eu era criança. Isto porque uma mala que fosse mesmo mala decente teria que ostentar um par de alças firmes. O dono ou dona da mala segurava aquelas alças e logo ficava cansado (a). Colocava na calçada. Tornava a segurar. Andava um pouco mais e colocava a mala no primeiro batente de porta de qualquer casa e respirava. Assim, caminhava e parava até chegar à rodoviária. Entretanto, isto também acontecia em aeroportos. Eram poucas as pessoas que dispunham de um serviçal que lhes ajudasse nessa pior hora da viagem. Valia também ajuda de pai, irmão, tio, namorado, marido. Mãe, irmã, tia, namorada e esposa, estas não costumavam se meter com tais afazeres. Problema mesmo, de verdade, era quando a mala já estava velha e as alças se rompiam. Como carregar para aqui e para acolá aquele trambolho sem alças? Então, daí deve ter vindo a expressão mala sem alça quando se refere a alguém trabalhoso. Mas, vejamos, dificilmente será encontrada hoje, a não ser em colecionadores, uma mala do tempo antigo. As malas agora são posudas, metidas, esnobes, exibidas e dispõem de um sistema parecido ao trem de pouso de uma moderna aeronave. Um conjunto de rodinhas (tem até de gel!) com giro completo de até 360 graus é tudo de bom que se avista em qualquer loja, de griffe ou em banquinhas de camelôs. Elas dominam as rodoviárias, aeroportos e, porque charmosas, são usadas normalmente como se fossem bolsas comuns do dia a dia. Quem quer mais hoje em dia uma mala que não tenha o milagroso dispositivo das rodinhas? Eu mesma não quero! Por falar em malas, elas sempre nos surpreendem, parecem gente. Até já escrevi um poema inspirado nas malas. Minha maior preocupação para uma viagem é a mala. Começo a prepará-la com muita antecedência. Escolho logo o que vou precisar e meto na mala. A partir daquele momento, motivo algum será suficiente para me convencer a desfazer aquele objeto. Deixo roupa, sapato, bolsa e outros já separados para os dias que antecedem o grande momento da partida. Amanheço e anoiteço pensando na mala. Durmo e sonho com ela. Penso na hora em que ela será aberta no hotel. Lá vamos nós duas, eu e a mala para o aeroporto. Ela é a primeira a ser colocada no carro, isto é, na mala do carro. Penso se a mala está bem limpinha porque não quero fazer má figura com uma mala empoeirada. Entro no carro com a mala no pensamento, será que ela vai estar lá quando eu descer? Está sempre lá. Em carros elas viajam mais seguras, mas em viagens aéreas fica a impressão que elas adoram voar. Cadê a mala? Desculpe, moça, por engano ela seguiu para Recife, logo será entregue em sua residência. Poxa, que merda, e os presentes? Como causar tanta decepção aos parentes no aeroporto esperando os presentes? Os parentes e amigos não nos esperam, esperam os presentes. Meus leitores, por favor, esperem a crônica II: Mala com rodinhas no aeroporto. Volto já!