A Senhora dá a guia
Os altos da Nossinhora da Guia, eram coisa gostosa de se ver, e se sentir, naquela Divinópolis dos meados dos anos sessenta. A igreja, entre pequerrucha e granducha, tinha o tamanho exato para uma boa prece sem pressa, o arejamento a beça, e sempre alguma outra graça que nem se meça.
Tia Lia foi quem a 'descobriu' e mo revelou numa das visitas que me fez no Seminário. E eu ali pertinho, a umas poucas quadras apenas, absorvido com as leituras e outras diabruras, não tivera a detença pra sorver aquela suave bença. Houvesse também crença.
Já ex-clérigo foi que pude conferir aquela impressão de Tia Lia. E justamente numa circunstância em que uma cama entrava na trama.
É que na dita pracinha da igreja, ou cercanias, encontrava-se um carpinteiro de bom serviço e preços módicos. E lá encomendei a cama - mais um estrado, e acho que o colchão de capim também - que iria embalar meus sonhos pos-seminarísticos numa reles república de rapazes, enquanto concluía o colegial, já no lado profano da vida.
E foi com aqueles olhos, já completados meus 18 anos, que tive a visão, quiçá experimentada pela tia. Já não me lembra se entrara no templo pra pedir graças. Ou por delas achar no simples adentrar.
Ou pelo menos para obter um preço mais módico ao oficial do serrote e martelo que me faria o estrado. Sei só que na portada frontal, já de espaldas pra Senhora da Guia, me veio aquela sensação quase celestial.
Como era bonito o exterior da igreja, com aquela vista indevassada, que percorria o vale, e iluminada, mandava seus raios pros lados do modesto bairro São José, lá distante. E onde morava, com a prole infindável o tio-avô Artur, músico-ferroviário, que vivia sonhando conciliar os dormentes do batente com as semi-colcheias descarrilhadas de suas madrugadas.
E hoje me chega a notícia que o padre Marinho, pároco daquela freguesia entregou a alma ao Criador. Fosse ele, eu pediria pra ficar. ali pelos lados da Senhora da Guia. Alma em qualquer lugar cabia - não sabia?