Ciceroneando

Esta narrativa pretende tão somente ser um alerta para aqueles que, neste mundo de crueldades, ainda acreditam que encontros fortuitos com estranhos possam produzir diálogos amigáveis ou mesmo marcar o início de novas amizades. Pois, ouçam-me.

Antônio Eurico, advogado de profissão, saía da garagem para um pequeno deslocamento no bairro em que morava. Ia à padaria mais próxima. Sua mãe o acompanhava. Fechado o portão, é abordado, antes de entrar no carro, por um jovem.

- Moço, por favor, como faço para chegar ao centro da cidade? Peguei o ônibus errado. Eu ia para o bairro de Lourdes e vim parar aqui.

Num relance, Antônio Eurico reparou no jovem claro, de bermuda, tênis e camisa do Flamengo.

- Bem, é fácil, veja...

Ia descrever o trajeto, mas resolveu facilitar as coisas, convidando o jovem a entrar no carro.

A ideia era levá-lo até à padaria e, de lá, indicar-lhe o caminho. Tudo muito simples, visto que o subúrbio em que estavam não é grande e fica perto do centro. Dona Cândida, a mãe bondosa, fê-lo mudar o trajeto:

- Filho, leve o moço ao centro. É tão pertinho.

Feita uma breve apresentação, Igor, o rapaz, disse de onde vinha e falou que Cândida era também o nome de sua avó, uma pessoa a quem ele adorava.Falou que ia à casa de um amigo, mas se perdera. Mais viagem houvesse e, talvez, ficassem íntimos; certo é que já tinham ficado um pouco, tamanha a facilidade de certas pessoas de chegarem e se integrarem. Igor parecia um desses.

Sinal vermelho à frente. Fim de viagem. Carro parado, Igor levanta o braço em direção aos dois, que estavam no banco da frente. Assustou-se o leitor? Acalme-se. Igor cumprimenta mãe e filho, sorri, agradecido e parte rumo ao seu destino, não sem antes olhar para o lado e mais uma vez saudar aquelas pessoas cordiais, a quem conhecera e, por certo, nunca mais veria. Foi lá o jovem levando consigo sua simpatia, sua ternura, seu agrado.

Tão impactados estamos por notícias ruins sobre pessoas cordiais ou solidárias sendo trapaceadas ou sofrendo violência, que esses nossos personagens até parecem fictícios. Fechamo-nos – à revelia de nossos bons sentimentos – aos ígores de nossas vidas. E eles, a todo momento, tomam o ônibus errado pela vida afora e estão precisando um pouquinho de nós. Nós, que tantas vezes também erramos o nosso caminho. Acautelemo-nos, pois o mundo está cada vez mais violento, mas não nos esqueçamos de que ainda há ígores por este mundo de Deus.