O Sacro, como o Profano, tira Férias
 


Barbacena é caminho e descaminho do ouro. Foi construída sobre um dos dorsos da Mantiqueira – como requeria a engenharia das estradas evitando baixadas alagadas pelas chuvas.  Por aqui passavam tropeiros, homens do governo e mulheres de desgovernos.

Em sua área principal as Igrejas: a da Morte, a da Vida – Piedade e a dos Rejeitados – Rosário.
 
Na praça da Igreja da Vida, Piedade para todos, reunia-se para o teatro missal  os possuídos de bens. E nas horas profanas o teatro da sobrevivência – atores: os que passavam, os que ficavam e prostitutas – aquelas que possuíam apenas o corpo, seu caro bem.

Esta realidade social se perpetuou uma vez que possui raiz histórica  segundo Auguste de Saint-Hilaire*.  E ainda hoje nas horas sacras há a suas missas. E nas horas profanas há os seus teatros com toda sorte de atores: transeuntes, ambulantes, miseráveis e prostitutas.
 
Entre as 13 e às 19h, elas, a putas, com suas más sortes tentam sobreviver arrumando clientes para seus beijos, abraços, rapinas, consolos – gozos e dores de seus homens que provam para amigos e desejos as suas masculinidades entregando-se às filhas de Vênus seus salários.

Para quem tem olhar observador basta passar e sentir o clima e assistir as cenas. Percebe-se que elas são controladas, gerenciadas, empresariadas por uma a qual todas as demais demonstram temor, contas e obediência.
 
Nesta segunda-feira que se fez 10 de agosto de 2015, ao passar por lá se viu que o templo estava com todas suas portas e portões fechados. A escadaria vazia e só os pardais ocupavam os átrios fazendo seus chilreios e algazarras.
Do lado de fora, no passeio público percebia-se ausências: nem Clientes, nem Cafetões e nem Mulheres da Vida se faziam ver. E nem os Crentes comungavam.
 
Conclui-se que de férias e dias de descanso até os santos e pecadores necessitam para refazer suas energias – nem missa para remissão e nem confessionários funcionaram. O mercado também estava de folga.
 

E o cronista com seu vício de prostituir as palavras – em pecado contra o beletrismo – aproveitou o dia e a situação para registrar as glórias e os regalos de uma urbanidade que não é santa e nem infernal. É humana apenas, que necessita sobreviver diariamente criando a cultura dos Eleitos e dos Condenados.
 


Leonardo Lisbôa
Barbacena, 10/08/2015.

 

* “Barbacena é célebre, entre os tropeiros, pela grande quantidade de mulatas prostitutas que a habitam, e entre cujas mãos esses homens deixam o fruto do trabalho. Sem a menor cerimônia vêm oferecer-se essas mulheres pelos albergues; muitas vezes os viajantes as convidam para jantar e com elas dançam batuques, essas danças lúbricas que, não o podemos dizer sem pejo, se tornaram nacionais na Província das Minas. Pela facilidade com que o dono do nosso albergue parecia permitir que se fizesse de sua casa um lugar de deboche, concebe-se que eu o tenha julgado com alguma severidade; mas depois de ter conversado muito tempo conosco, reconheci nele um homem bastante digno, que não fazia mais do que conformar-se com os costumes gerais.
“No dia em que chegamos a Barbacena, falaram-nos de um desses espetáculos ridículos denominados presépio, em que se fazem representar por títeres, cenas tiradas da Sagrada Escritura. Resolvemos a princípio ir ver o presépio; mas renunciamos logo ao projeto quando soubemos por um oficioso que era a nós que queriam fazer custo do espetáculo. Em Barbacena, e provavelmente alhures, ninguém paga nada à porta do presépio; mas os atores proclamam honrosamente o nome dos que querem que custeiem a função, e, ao mesmo tempo, apresentam-lhes um prato em que depositam seu dinheiro. Frequentemente se nomeia um comparsa antes do estrangeiro escolhido para a vítima; aquele coloca generosamente no prato uma soma que se lhes restitui depois, e o acanhamento impede a pessoa que não está no segredo de dar menos que os que o precederam. Estavam tão resolvidos a proceder conosco dessa maneira, que o espetáculo deixou de se realizar quando se soube que nós não pretendíamos assisti-lo. Alias, o espetáculo de Barbacena, frequentado principalmente por mulheres da má vida, não era mais do que parece, senão um lugar de tolerância.”  SAINT-HILAIRE, Auguste de – Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ed. Da USP, Livraria Itatiaia Editora LTDA. p. 64
 


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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 14/08/2015
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