Vin-te

A bolsa à frente do corpo. Passos largos. Passos rápidos.

"Desvie do cocô"; "veja se não vem carro"; "desvie das pessoas"; "ultrapasse as mais lentas".

Esse pode ser um belo resumo de como o corpo de um paulistano se programa para as caminhadas em piloto automático nas ruas da metrópole. Mas também pode ser um ótimo quadro do que a vida vai se tornando na fase adulta - não faça merda (ou pise nela), seja rápido e não perca tempo com os fracos.

E é, justamente, quando me ponho a subir a baixa Augusta em direção à Paulista que os meus pensamentos me fazem programar o piloto. "Será que eu vou ter dinheiro? Será que eu devo me importar em ter dinheiro? Será que vou ser uma ralada? Será que eu devo só fazer o que gosto? Será que vou ter de ser mais uma daquelas que moram num kit no centro? E se eu não for nada disso? E se eu for tudo isso? Será que vou ser infeliz? Será que eu vou ser professora? Será que vou trabalhar na TV? Escrever crônicas para um Jornal? Ser só Jornalista de esquerda? Ou ser só Jornalista de tudo? Será que eu vou simplesmente conseguir ser Jornalista? Será que vou me conformar?".

O meu ponteiro daqui três dias vai bater as duas décadas. O que a gente não percebe nas duas décadas, além de dizer vinte anos de um jeito kistch, é que sim, a gente se conforma. A gente tem toda uma infância, pré-adolescência, adolescência e juventude de preparação para a conformação. Conformar-se por não conseguir namorar o Paulino na primeira série. Conformar-se por não saber dividir 2035 por 19 na quarta série. Conformar-se por não ser a mais popular na sexta série ou por chegar aos 15 e ainda não ter dado o primeiro beijo. A conformação acontece e é importante para se seguir em frente.

Outra coisa fundamental de ser destacada aqui: na maior parte das vezes (para quem gosta de números, em 95,9% das vezes) as coisas não acontecem como a gente sonha. E isso pode ser ruim ou bom. Ou os dois ao mesmo tempo. Me corrijo: é ruim e bom ao mesmo tempo. E quando sai do modo como sonhamos é ruim e bom do mesmo jeito. E com uma pitada de mais ou menos. Temos toda uma preparação para isso também. Muitas partidas de 'Jogo da Vida' com "catástrofes naturais e gastos extras" ou "você perdeu o seu emprego". Essas coisas, meu caro, não são em vão.

E não é em vão porque aquele jogo é metáfora mais fiel que a vida pode ter, somos pequenas peças de plásticos que atendem ao bel prazer de uma roleta que gira ao acaso e aponta seu caminho. Dentro de algumas variáveis, é claro, mas é basicamente isso. E é mágico... Mas ao mesmo tempo uma droga!

Cacete! Não consegui desviar. Espero que seja sorte.