Criança Sabe Tudo
Triste época!
É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
Albert Einstein

Apaixonada. Isto é... Seria mais algo como apaixonadinha, já que ele era o irmão mais velho de uma das meninas com quem eu ainda brincava de casinha. Depois, eles se mudaram e perdi o contato.
Lamentei quando soube, anos mais tarde, que ele se tornara usuário de drogas e, por isso, soropositivo.
Numa tarde de sábado, fui incumbida de levar minha sobrinha Juliana à casa da avó materna. Ciosa pela segurança da pequena, de apenas dois anos de idade, eu a atei da melhor forma que pude no cinto de segurança do banco traseiro do carro, já que, obviamente, não dispunha de cadeirinha.
Neste instante, aparece em minha porta... exatamente... ele. Lindo como eu me lembrava. Talvez, um pouco mais magro. Passando por lá, ao me ver, veio falar comigo e conhecer a criança que pensou que fosse minha.
Sim, eu já havia lido sobre as formas de contágio da AIDS, sabia que podia apertar-lhe a mão, dar-lhe um abraço e os três beijinhos de praxe. Sabia que ele poderia falar com a menina que lhe estendia os bracinhos oferecida, que poderia fazer-lhe um agrado, sem perigo. Mas, entrei em pânico por ela e o despachei rapidinho, saindo atabalhoadamente, em seguida, para logo afundar em meus pensamentos, lamentando minha estupidez e falta de tato. Sabia que ele percebera meu medo. Percebi a sombra que lhe percorreu o olhar.
Lembrei-me então da minha querida passageira e, ao ver, num outro carro, um garoto da idade dela, em pé, apoiado entre os encostos dos bancos da frente disse:
- Nossa, Juju! Que perigo aquele moleque em pé ali, né? Onde é que ele vai parar, se o motorista tiver que frear de repente?
Ela, talvez aliviada em ter finalmente um pouco da minha atenção, respondeu, mais do que depressa:
- No hospital!!
Eu havia imaginado o para-brisa, mas ela certamente tinha razão e eu a elogiei, fingindo admiração sobre o quanto ela era esperta por ter acertado.
E ela, feliz e orgulhosa:
- Eu sei tudo, né, tia?
- É, meu amor. Sabe, sim.
Lembrei dela oferecendo-se ao abraço dele e pensei que, de fato, quanto a gente é criança, sabe de tudo o que é necessário para ser feliz.
Pena, que depois a gente desaprende a maior parte.


 
Texto publicado no Alô Brasília de hoje, reeditado do texto homônimo publicado neste Recando das Letras de 24/08/2010.
Na foto, da época do episódio da crônica, Juju é a princesinha da frente.
Os outros também são sobrinhos. Atrás dela, seu irmão, Fernandinho, tem no colo a priminha Mariana. Ao fundo, os filhos de meu irmão mais velho, Karina e Thiago.