A Livraria do Mago

Uma vez, ao voltar para casa do trabalho, Ramon passou por um caminho diferente, mais longo, e resolveu parar numa praça que ele ainda não conhecia. Desceu do carro e caminhou pelo lugar, sem pressa, sentindo a brisa da tarde e as sombras das árvores apaziguarem sua alma; até que parou em frente a uma livraria. Quando viu aquilo, não acreditou. 'Livraria do Mago'. Nunca tinha ouvido falar. Atravessou a rua e foi verificar. Era de fato uma livraria, com porta de vidro estilosa, vitrine, estrelas azuis e vermelhas pintadas na fachada e uma placa bem simples, com o nome 'Livraria do Mago' escrito como se tivesse sido pintado com o dedo, em tinta verde, acima de um desenho dos três reis magos no deserto a caminho de Belém. Ramon entrou.

Como era de se esperar, não havia nenhum cliente. Só livros. Muitos livros. E aquarelas com cenas urbanas penduradas nos poucos espaços livres das paredes, junto com fotos antigas e cartazes com propagandas de shows de dança, espetáculos de circo e peças de teatro do século XIX. Os livros ficavam em estantes de madeira, cobrindo as paredes, e sobre uma enorme mesa retangular, no meio da sala. Ao fundo havia uma porta aberta, de onde vinha o som de uma música suave: um jazz americano que Ramon adorava. A luz do sol atravessava a vitrine e iluminava uma parte da loja, mas sem alcançar os livros. Um abajur antigo, estilo 'art nouveau', clareava o resto.

No outro espaço havia quatro mesas redondas, com quatro cadeiras cada uma, cercadas por três estantes cheias de livros e um balcão, no qual um homem de cerca de quarenta e cinco anos, de cabelos compridos e barba por fazer, lia um livro. Sobre o balcão havia bolos e tortas, e ao fundo, uma máquina de café expresso. “Temos vinho também, se o senhor quiser”, disse o homem, olhando para Ramon, que observava a máquina de café, estupefato. Ramon não acreditava no que via. Uma livraria?! “Temos garrafas pequenas, para uma taça”, continuou o homem. Ramon respondeu: “Vou querer uma”, e olhou ao redor, maravilhado. “Tinto, branco ou rosé?”, perguntou o homem. Não pode ser, não dá para acreditar, pensou Ramon. “Tinto”, respondeu. E foi ver os livros.

Biografias, romances, poesia, contos, peças de teatro. História, Filosofia, Sociologia, Ocultismo. Obras em inglês, francês, espanhol, alemão. O ambiente era climatizado, iluminado no ponto certo, aconchegante, cheiroso. Ramon estava abismado. Quem frequentava aquilo? Criaturas da noite? Seres mágicos? Fantasmas? O sujeito deve ser rico, pensou Ramon, isso aqui é só um hobby, não é negócio, não pode ser. “Seu vinho, senhor”, disse-lhe o homem, e acrescentou: “É um tinto da Moravia. Encorpado. Muito bom”. Ramon agradeceu, recolocou na estante o livro que folheava (uma biografia de Franz Kafka) e se sentou. Que vinho bom, pensou, que lugar...

Foi aí que Ramon acordou. Passou a mão na testa. Estava quente, ensopada de suor. Foi ao banheiro e se olhou no espelho. Eram quatro horas da madrugada. Às oito tinha que estar no banco. Estava pálido. Lembrava-se perfeitamente do sonho...

“Aquele mago desgarrado... sou eu”, disse Ramon. E sorriu.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 12/08/2015
Reeditado em 12/08/2015
Código do texto: T5343741
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