OS TEMPOS SÃO OUTROS

Comecei a mijar sentado.

Como todo homem, busquei a praticidade: Não ouviria mais a reclamação da mulher por estar mijando na borda do vaso;

Poderia até sacudir o bilau com toda tranquilidade! Poderia, ainda, nas madrugadas sonolentas, urinar de olhos fechados sem a preocupação de mirar em nada ou acender a luz; e, o mais importante, pararia de competir com as mulheres da casa pelo sobe e desce do assento sanitário.

Após uma semana de readaptação, qual não foi a surpresa ao ser flagrado pela filha, sentadão do trono:

Ela arregalou os olhos, correu para a mãe na cozinha e ouvi claramente a sentença: "Mamãe!, papai tá mijando sentado, igual mulherzinha!!".

Não pude deixar de lado minha filosofia barata, essas do povão, empírica mesmo, centrada só nas observações e na intuição, sem qualquer canudo universitário que lhe certifique o título de tese de Doutor ou Mestre.

Maior que o espanto da menina, foi o meu. Seis anos e já com preconceitos!!!!

Além do pejorativo "mulherzinha", não sei quem ou como a convenceram que só mulher pode urinar sentado!!

Voltei ao tempo, busquei nos devaneios minha ancestralidade, meu lado humano mais arcaico e remoto, e conclui: São as mudanças sociais!!!

Nos meus tempos de moleque perebento, sempre descalço e sem camisa, lá nos cafundós do interior brasileiro, sem medo de espinhos de ramnáceas e sem a preocupação de limpar o ranho do nariz ou a remela dos olhos, e cujas únicas preocupações eram se ventaria o suficiente para empinar papagaio ou se sobraria melaço de cana no tacho para rapar...

Pois é, estava assim, rebobinando a fita da memória, lembrando-me que as únicas preocupações dos meus velhos e dos velhos dos meus velhos eram se o dinheiro daria para o arroz e o feijão até o fim do mês, e se ainda iria sobrar algum prá comprar uns bons metros de chita para os vestidos das meninas e uns brins grossos azul-marinho pros moleques.

Só isso.

Calça jeans ou blusa de malha, ou esses novos tecidos artificiais de nome complicado nem faziam parte do vocabulário.

As únicas inquietações de antigamente eram: comida, roupa feita em casa e tapar as goteiras do teto de zinco, antes que se iniciassem o período das chuvas.

E hoje!!! ficou tudo mais difícil! As preocupações dos pais atuais são as "psicológicas" e a segurança.

Teme-se traumas consequentes de uma educação ineficiente.

Teme-se doenças que, há dez anos, não existiam nem o nome.

Teme-se os malefícios da televisão, da internet, das drogas, da violência nas esquinas, do padre pedófilo, dos políticos desonestos, da bala perdida etc e etc.

Vivemos atualmente com medo.

Todo dia arranjam uma fobia diferente, de bicho-papão nem se fala mais. O que hoje permeiam o imaginário dos adultos e assombram as crianças são seres incorpóreos e de difícil combate, e levam o nome de mensalão, inflação, CPI, corrupção...

Antigamente, o "ão" era só aumentativo das palavras.

Existia a mula-sem-cabeça, o currupira e o saci-pererê...

Hoje há Sangue-sugas, anões de um tal de orçamento, Lulas salvadoras de pátria, cuecas recheadas de dólares, fatos que não são provas, Pizzas indigestas, impunidade... entre outros seres abomináveis.

Operações não mais do médico da família ou do bairro, mas da PF, que expõe a cada cirurgia não mais as vísceras de um doente qualquer, mas de homens públicos ou da "elite" empresarial, e toda uma nação estupefata pressente um contágio de cima para baixo.

Aos que estão "embaixo", sentem que dos inúmeros deveres que cumprem, recebem em troca como o único direito o "não ter direitos"...

Quem ouvia antigamente falar-se em bulimia, anorexia, aids ou estresse? O máximo que se pegava era gonorréia, sarampo ou catapora. Isso se pegasse!

Éramos tão inocentes que nem distinguiamos viado de veado.

As palavras eram entendidas na sua acepção pura. Malícia? Só as que se aprendiam nas lides dos jogos infantis, na precisão do dedão na bola-de-gude, no abafa das figurinhas com as fotos mal estampadas dos jogadores campeões da copa de 70.

Brincava-se de doutor ou comidinha com as meninas, para no máximo tocar-lhes as mãos (e sem segunda intenções) ou experimentar um arroz "papa" mal cozido no fogo que nós mesmo tínhamos botado nos gravetos do quintal.

Hoje! minha filha proclama em altos brados: "papai mija como mulherzinha!"

Sinceramente, essas preocupações atuais com o psicológico, com o alastramento da insegurança por falta de confiança no judiciário, e com as coisas do interior humano são muito mais complexas.

Não sei se a culpa foi do Freud, das feministas, da tecnologia, da PF que tem feito seu trabalho ou do festival de Woodstock.

Invejo meus saudosos velhos, que no máximo preocupavam-se só com o meu comer, vestir e um teto sem goteiras.