Figurinha carimbada

Pelo muito que ele é, por tudo que sempre foi, memória viva da história de Mimoso -sendo uma grande pena que tenha perdido todo o seu acervo de fotos na grande enchente de anos atrás-, o considero assim como uma daquelas figurinhas carimbadas, difíceis de se encontrar e que valorizavam nossos álbuns de coleção, tão comuns nos anos 70 e que preencheram nossos dias, nossas tardes, nos bancos do jardim da praça, defronte ao Ponto Chic, ao Bar Guarani.

Por formação e dever de profissão, já que durante tantos anos trabalhou no I.B.G.E., coletando e compilando dados e fatos sobre nossa terra, sobre nossa gente, João Luiz Bicalho é uma daquelas pessoas detalhistas, perfeccionistas, que se dedicam ao colecionismo de tudo, integral e apaixonadamente, eterno Don Quixote em busca das Labiatas brancas que vez por outra lhe impingem.

Pela camaradagem que lhe é peculiar, transferiu para mim a amizade que sempre manteve com meu pai, temperada pela dedicação ao nosso Sport Club Ypiranga, de que foram grandes e apaixonados benfeitores; sem qualquer esforço de memória, ainda posso vê-los, juntos, literalmente construindo a arquibancada, a quadra , erguendo as torres de iluminação, levantando muros e alambrados, sofrendo nas derrotas e comemorando as grandes vitórias sobre o Independente, seu eterno rival.

Toda a história do futebol do Estado teria sido bem diferente e, sobretudo, mais pobre, não fosse a dedicação desses abnegados que, à custa de muitos sacrifícios pessoais, formaram e mantiveram o imbatível e glorioso Ypiranga dos anos 60.

Grande moleque, no mais amigo, carinhoso e melhor sentido da expressão, João Luiz sempre manteve o bom humor , aprontando suas “sacanagens” sutis, inteligentes, marcantes; conta-se que uma vez, nos primeiros anos da loteria esportiva, quando os cartões ainda eram perfurados, passou toda uma tarde colando os picotes de um cartão, forjando-o para que aparentasse os 13 pontos e colocando-o junto com outros, na gaveta de Gilson, que comemorou com foguetes e cerveja para todos, supondo ser o único acertador que ganhara a grande bolada, e que ficou furioso quando descobriu que fora enganado.

Com igual bom humor, porém quase enfartando pelo esforço, carregou um saco cheio de pedras por quilômetros, desde a usina até sua casa, julgando que todo aquele peso era pela umidade do capim tenro que colhera à beira do rio para alimentar seus coelhos e que, como bom amigo, Gilson colocara para ele no saco de estopa , subindo com ele às costas todo o morro da usina.

Parte de toda aquela amizade me foi transferida e consolidada nas muitas tardes de papo sobre a numismática, interesse comum nascido há anos para ele e meu pai e a cuja coleção dei continuidade, como uma reverência a sua memória, o que me leva, todas as vezes que volto a Mimoso, a ir visitá-lo, a passarmos alguns momentos juntos., falando de nossas cédulas, de nossas coleções.

E, como figurinha carimbada que é, não custa lembrar a vez em que lhe vendi uma das figurinhas que eu tinha e que, estranhamente, ele também a possuía igual, porém sem o precioso carimbo. Trocada a peso de ouro por algumas dezenas de outras, sua coleção era a única do mundo que passou a ostentá-la com um carimbo circular escrito em alto relevo: “Prefeitura Municipal de Mimoso do Sul”.
LHMignone
Enviado por LHMignone em 24/09/2005
Reeditado em 06/01/2014
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