GUERRA DE FORMIGAS
Dona Henriqueta, mulher magra, passada da meia idade, nariz fino de suporte aos óculos, sempre de coque nos cabelos, mais pretos do que brancos, crescia um pouco por conta dos sapatos de saltos talvez entre 6 e 8 cm, solteirona, mas não por isto deixava de ter seus amores.
Ela colega de meu pai, ele de serviço braçal e ela de intelectual, num sábado papai e o colega Dagoberto foram até a casa de Henriqueta para mudarem um armário de lugar, feito o serviço ela deu-lhes o tratado e mandou-me uma meia centena de revistas Life, que me foram alcançadas aos poucos.
Olhava as figuras e tentava decifrar as escritas, todas em inglês. Muitas delas traziam reportagens sobre a guerra da Coréia, navios, aviões e helicópteros. Não tardei e incorporei o espírito de guerra. Eu com 10 anos já conhecia diversas espécies de formigas e seus perigos, inclusive algumas que viviam sobre árvores e quando caiam em nós as mordidas eram violentas.
Então tentando reproduzir parte do que eu via nas revistas enchia caixinhas de fósforos de formigas e levava-as até outros formigueiros da mesma espécie ou de diferentes e desembarcava-as como se fossem daquelas barcaças de assalto de guerra nas praias. Das lutas travadas as visitantes sempre levavam a pior.
Embora eu soubesse que Deus reprovava a minha atitude e fazia escondido de mamãe, até que veio a primeira comunhão e na véspera a minha primeira e última confissão.
Dos pecados que relatei ao sacerdote ele me receitou muitos pais-nossos e ave-marias, mas da guerra entre as formigas disse-me ele que não era pecado e por isto não haveria penitência e ainda esboçando um sorriso. Não nos enxergávamos, mas sabíamos quem era ele.
Muito antes da catequese mamãe dissera-me o que era pecado e até hoje eu acredito muito mais em mamãe do que qualquer outra teoria, assim como acredito que os humanos sejam como aquelas formigas que guerreavam só pela diferença do cheiro das invasoras.
Sinceramente, todos os dias por várias vezes ao longo deles, faço a reflexão dita por mamãe e por isto não consigo aceitar as guerras de formigas, de gangues, de homens, nem de nervos.