Fumaças de Maria

Já viveu dias melhores a estaçãozinha de trem da Rede Mineira de Viação do Brumado. Situada à margem 'de baixo' da linha férrea que cortava ao meio o povoado, tanto dividia, como juntava aquelas metades, costuradas pelas paralelas linhas sobre os dormentes.

Pra cima, a rampa, a igrejinha de São Gonçalo, a imponente residência do gerente da fábrica - que por muitos anos foi o carismático Seu Afonso da Rocha Pena - e o casario, sem muita distinção. Pra baixo, já no costado da estaçãozinha, a 'varge' o campo de futebol, circundado de casinhas ainda mais singelas.

E ao lado, a praça da estação, com as instalações da fábrica de tecidos, a 'fapa', onde umas poucas centenas de trabalhadores amassava o algodão pra fazer jus ao pão. Da pracinha podia se observar no alto de sua parede externa da estação, em caracteres salientes o nome daquele logradouro e um Alt 621 - não ando seguro agora quanto à cifra correta - mas é a altitude em metros, acima do nível do mar.

Em meio ao burburinho cotidiano da pracinha, o trem era o menos conspícuo, subia um dia, rumo à capital, e baixava no outro, rumo a Bom Despacho. Vez por outra podia passar um lastro, o trem de carga, e muito raramente podia pintar o chamado automóvel de linha, aquele vagãozinho bonitinho que, me parece, cuidava das inspecções, carregando no seu bojo algum figurão importante, fiscalizante.

Mas quando o trem chegava, o bulício se instalava - e reinava. Era gente apeando, gente embarcando, a multidãozinha se formando em volta, abraços ou lágrimas iam rolando. E a meninada vendendo doces, cartuchos, suspiros, pastéis, tudo a custa de merréis. E a autoridade era o Pico, um tal Olímpio, chefe da estação, que nos cômodos dos fundos residia com a família e no cômodo frontal reinava com toda soberania. Era ele dar as ordens e a maria-fumaça, cheia de graça, ou parava ou partia. Depois de beber água a riviria.

Até que um dia, foi-se o Pico, com a família, caçando trabalhos e estudos para a filharada, e veio outro chefe, também com sua prole a ocupar a estação. Não por muito tempo, contudo.

Com a revolução vieram idéias novas, drásticas, de cortar os ramais ferroviários deficitários. E na cota tava o Brumado, e tantas outras.

E por anos a fio, ficou abandonada a estaçãozinha, tirada já tinha sido a linha. Agora só faltava erva daninha. Mas não é que a restauraram, transformaram-na em Espaço Cultural, preservando a memória daqueles que vieram, e se foram, o trem e tantos outros térens.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/08/2015
Reeditado em 10/08/2015
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