Cronista e Guarda Compartilhada
Cronista e Guarda Compartilhada
Tenho resistido ao tema, mas o Debate, “A guarda compartilhada é o modelo mais eficaz para atender o interesse dos filhos de pais separados?”, no jornal O Tempo de 07 de agosto assanhou meus brios.
Já assegurei, em outros momentos, o conforto do cronista poder palpitar sobre tudo sem a responsabilidade de especialista, que necessita embasamentos técnicos, referências e comprovações científicas para vaticinar uma opinião. Ao cronista basta a salvaguarda constitucional para emitir a idéia.
Minha resistência ao tema é que não gosto do judiciário, nem da guarda compartilhada vinculada à prescrição da lei.
As razões do meu desgosto são simples, o judiciário é autoritário e as crianças e adolescentes não precisam de guarda compartilhada!
Ainda advogando os direitos constitucionais, não explicitarei os motivos por considerar o judiciário autoritário, e tecerei algumas considerações que julgo capazes de embasar a idéia de crianças e adolescentes prescindirem de cuidados compartilhados determinados judicialmente.
Aliás, no dia dos pais, é oportuno dizer que não existe pai sem filho. O reverso da medalha é também verdadeiro, não existem filhos sem pais! O que costuma ocorrer é que alguns filhos não têm a oportunidade de conviver com pai e mãe presentes. Pode ter acontecido a morte prematura de um deles, a necessidade de afastamento por causa de trabalho longe do lar, ou o que suscita esta crônica, os pais não conseguiram manter o relacionamento por um tempo mais duradouro, coisas do destino! Mas de toda forma, não existe filho sem pais.
As razões da lei são sempre os interesses do filho, a sustentação econômica e a existência emocional.
Não discuto a parte econômica, a contribuição pecuniária de um dos pais, na forma da lei, deles ou de seus ascendentes para o cuidado dos filhos.
O que atrai mais ao cronista é o desenvolvimento emocional dos filhos, de todos os filhos, inclusive dos que não têm pais separados.
Ter pais separados é mais um ingrediente da complexa fórmula de construção da existência e não é garantia, por si só, de ser o fator mais preponderante das situações de crises existenciais, que manifestam na forma de sofrimento.
O que mais pode contribuir para o desenvolvimento emocional de filhos é a relação parental relativamente estável. Um tanto de estabilidade econômica, social, cultural e emocional do ambiente familiar, não importando, essencialmente, se estão presentes fisicamente pai e mãe, como já disse não existe filho sem pais!
A preocupação dos especialistas, da lei, é com a questão emocional. Mal sabem eles que a vida emocional transita numa dimensão alheia à realidade física, à contundência da razão, da lógica. O princípio emocional, particularmente, das crianças e adolescentes e de um grande contingente adulto, é irracional, ilógico e muito distante das prerrogativas legais.
De um certo ponto de vista psicológico, para as crianças, pelo menos não para sempre, os pais verdadeiros, biológicos, não são os pais emocionais.
Esta descoberta costuma trazer sofrimento existencial que nenhuma ordenação jurídica será capaz de mitigar, razão porque ao jurista bastariam as razões econômicas.
A característica marcante do homem é a independência da genética. Isto é profundamente libertário, deve ser muito chato ser João-de-barro, construir casa sempre do mesmo jeito, mas não poder usufruir de todo o processo civilizatório acumulado ao longo dos milênios, e estar sempre começando do zero, no desenvolvimento emocional é bastante angustiante para si e para os pais das novas pessoas. E não adiantam conselhos, normas, prescrições, a alternativa para o desenvolvimento da criança, de maneira serena, é o oferecimento de ambiente com relativa estabilidade econômica, social, cultural e emocional. Trocando em miúdos, lugar digno para morar, um tanto de conforto econômico, pessoas para relacionar, crenças comuns para acreditar, pessoas de quem possa gostar e ser gostado, uma rotina onde o existir social e pessoal vai se consolidando sem tanto conflito.
Não é estranha a idéia de diversidade em nosso tempo. Ninguém recusa reconhecer a especificidade do existir em cada lar, apesar da universalidade de valores.
A criança e o adolescente já estão envoltas em questões existenciais muito complexas para compartilhar ambientes diversos entre si.
Não vou utilizar, para a argumentação, os depoimentos de pais sobre as dificuldades que os filhos apresentam na volta da visita aos outros pais. Não vou tratá-los como erros ou inconseqüências, mas como diversidades ambientais às quais as crianças e adolescentes ainda não estão preparadas para vivenciar. Tudo que elas necessitam é estabilidade!
Também abstenho do histórico de separações indesejadas em que os filhos são utilizados para manter o cônjuge por perto, quem sabe vingança por ter sido desprezado(a) por outro(a)!
A criança, com pais ou sem pais, não precisa de guarda compartilhada prescrita por lei, a criança, com pais ou sem pais, necessita de ambiente relativamente estável para poder crescer e ser feliz para sempre!
João dos Santos Leite
Psicólogo – CRP 04-2674
Ituiutaba-MG, 09/08/2015