Assim...ou nem tanto 4
Poemas e poetas
Falo por mim. Fui um belo exemplar de criança e cresci entre colos macios e beijos. Uma doença respiratória haveria de me travar os ímpetos. Recordo que, aos quatros anos, entre o peito farto de minha tia e o bastidor onde nasciam os bordados que fazia à máquina, aprendi um pouco de tudo subindo e descendo sobre as suas coxas que davam movimento ao pedal da velha Singer. Conversávamos muito e eu nunca mexia no trabalho embora fosse sugerindo cores para o granité, o crivo, o matiz que habitariam lençóis e toalhas, blusas e guardanapos o resto das nossas vidas. Nunca experimentei bordar à máquina, mas sei, exatamente, como se faz o cordonê e o ajour ,como se libertam os fios da trama para o crivo, como proceder para um perfeito contorno dos desenhos riscados a papel químico. Aprendi a ler antes do tempo e, quando se preocupavam com a imobilidade em que ficava a ver a vida, eu já voava para todos os lugares onde com o corpo não podia ir. Depois que se aprende a amar as palavras, muda-se irreversivelmente. O jogo que se segue é a procura de todos os sentidos, ideias, razões, sensações. O poema é “uma provocação” disse o Joaquim Alves. É. Provocação, desafio, temeridade, vómito, liberdade, luta, amor e, ainda, o caminho estreito por onde a alma se depura e onde acabam ou crescem os medos. Há registos, documentos e segredos. Os melhores poemas são os que, a nu, dizem coisas tremendas com simplicidade de estarrecer. Parecem nascer assim, virtuosos, soberbos, prontos. Ninguém imagina o que se sofre para obrigar as palavras eleitas a ser beleza, diferença e verdade. Há dias em que, rebeldes, resistem à nossa vontade e ficam, esquivas, presas à terra do nunca.