LEMBRANÇAS DE UM AVOHAI...
Dia dos pais traz lembranças, memórias, reminiscências, assim mesmo, bem redundantes, tem nadinha. Seu Saldanha, meu avohai, homem que se acordava junto com os passarinhos para saldar o nascer do dia, em pé, bem disposto, peito aberto pra vida. Quando acordava ia logo tratar de abrir a mercearia dele, pra esperar “o cabra do pão” e despachar pra meio mundo de gente, que não tardava em chegar. Também servia café preto pra uns conhecidos que chegavam, e se danavam a palestrar com ele. A rádio Cabugi já estava ligada em alto e bom som, trazendo as notícias do que “se passava no Mundo”. Entre um freguês e outro ele cantava estrofes de cordéis famosos, como “o pavão misterioso”. Depois chegava Chico do leite, na Fiorino branca.
Ele apenas tomava um gole do café preto e se jogava na lida, café da manhã mesmo, só bem mais tarde, quando Dona Jove se levantava. Aí ele ia passar a ela tudo o que já tinha acontecido, enquanto os dois tomavam uma deliciosa coalhada, feita de leite in natura.
No dia de Seu Saldanha tinha de haver tempo para que ele se sentasse, de pernas passadas na Mercearia, e fosse produzir seus cordéis. Compunha, metrificava e declamava para ouvir se estava bem feito. Se aparecesse algum apreciador, ele declamava em plenos pulmões, com gosto. Seu universo era meio que mágico, e ele captava tudo ao seu redor para transformar em cordel.
Uma vez quase morro de chorar e de desgosto porque não tinha conseguido passar num vestibular, sendo reprovado por uma questão. Preferi sumir por uns dias, e quando voltei ele veio perto de mim e falou com a maior naturalidade do mundo:
- Não se aperreie, você depois passa, porque pau ficou pra cachorro, jumento e estudante. - Disse isso e deu uma gargalhada que só ele sabia dar.
Quando foi ficando mais idoso, pôs-se a caminhar todos os dias, antes do nascer do sol. Uma vez uma amiga me contou espantada que o viu perto de Ponta Negra caminhando, mas eu sabia que não era para se espantar, dada a vivacidade que ele tinha.
Tenho muitas lembranças, mas gosto muito, sobretudo, de rememorar quando ele falava da infância que teve:
- Fui um portador feliz, junto com papai, mamãe e meus irmãos. Me sentia maravilhado na propriedade de papai, trabalhando na chibanca, montando e correndo atrás de gado. Declamando versos nas noites, depois das novenas, quando havia festas, e todos me chamavam de Dedé. Tive uma infância e juventude tão feliz e maravilhosa, que nem um filho de um deputado consegue ter.
Sim, pai foi um homem profundamente feliz quando criança, Jovem e adolescente, e com certeza era por isso que enfrentava os reveses da vida com tanta grandeza d’alma, sem se deixar abater, pois teve a BASE DE UMA FAMÍLIA AJUSTADA. Não há nada mais rico na vida que esta base: Nem dinheiro, nem posição, nem títulos acadêmicos!
Tenho muitas boas lembranças dele, ensinamentos que ficaram no coração, na alma, mais que na mente. Acho bonita a “matuteza”, sou encantado pela vida do sertão, gosto de cantador de viola, não sou afeito a cerimônias nem rapapés, porque um filho de matuto sempre é matuto também!
Dou os meus parabéns ao senhor, pai, com muita alegria de ser seu neto, filho e herdeiro na poesia.
Natal, 07/08/2015.