Morreu Orlando Orfei



          1. Estava com meus netos, Catarina e Davi, em Vila Velha, no Espírito Santo, quando soube da morte de um dos maiores nomes do circo nacional, o inconfundível Orlando Orfei.
          2. Senti o seu desaparecimento; foi como se tivesse morrido uma pessoa da minha família.      Nunca perdia os seus espetáculos. Bastava saber que seu circo havia se instalado na minha cidade, e lá estava eu na bilheteria, quase sempre enfrentando enormes filas. Mas valia o sacrifício.
           3. No circo, Orlando Orfei foi tudo: mágico, malabarista, equilibrista, domador de feras, palhaço e maestro.
     Maestro? Sim, quando, com elegância, e envergando um impecável smoking, regia, diante de uma plateia delirante, As águas dançantes, segundo alguns críticos, "um dos seus números mais bregas e divertidos."
     Não sei por que brega; jamais classificaria esse seu alegre quadro como um espetáculo brega. As águas dançantes era um momento doce; emocionante até.
           4. Outra participação do Orfei que mexia comigo - eu menino e depois rapazinho -, era a que ele surgia, no feérico picadeiro, ora cercado por leões ariscos e raivosos, ora por elefantes cadenciados e pacientes. Era o  Orlando Orfei domador de feras, levando o distinto público a aplaudi-lo e vê-lo como um sujeito de indiscutível coragem. "Só vendo, para acreditar", repetiam as pessoas que lotavam a geral e as confortáveis poltronas do seu famoso circo.
          5. Tratava seus leões com carinho. (Diferente do dentista americano, Senhor James Palmer, que acaba de abater, durante uma caçada desleal e criminosa, o leão Cecil, o mais famoso das selvas do Zimbábue. Imperdoável!
     Queria vê-lo enfrentando os furibundos leões do Colizeu, na Roma imperial).
          6. Olho para a sua foto, que os jornais publicaram, e o vejo velhinho e sorridente. E leio, com pesar, o seu resumido (!) necrológio.           Oh! Quanta coisa bonita os jornalistas escreveram sobre Orlando Orfei que morreu, no primeiro dia de agosto deste ano, 2015, no Rio de Janeiro, com 95 anos.
          7. De repente me veio a vontade de contar para os meus netos, que não conheceram os circos antigos - o Thiany, o Fekete, o Garcia, por exemplo - um pouquinho da história desse singular espetáculo popular, hoje, praticamente, desaparecido. Eles são do tempo do Cirque Du Soleil e do Patati Patatá.
          8. Falar-lhes sobre os antigos circos, com suas diferentes feras, seus trapézios, seus globos da morte, seus artistas, homens e mulheres, elegantes e sedutores.  Falar-lhes sobre os palhaços, para mim a principal atração do circo.      Ouvi o Chico Anysio dizer que "o palhaço é eterno".
        9. E é mesmo. Nunca a gente vai esquecer o Carequinha, o Piolin, o Arrelia e tantos outros palhaços que arrancaram sorrisos de corações, às vezes, amargurados. De pessoas que buscavam na piada inteligente de um bom palhaço o lenitivo necessário para ajudá-las a contornar crises existenciais, aparentemente instransponíveis.

            10. E aqui peço licença para transcrever o soneto O Palhaço, do Padre Antônio Tomás, o primeiro príncipe dos poetas cearenses; até em homenagem a Orlando Orfei.
          "O Palhaço  - Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta/ E a filhinha mais nova, tão doente!/ Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,/ Que a plateia o reclama, impaciente, == Ao palco, em breve surge... pouco importa/ O seu pesar àquela estranha gente.../ E ao som das ovações que os ares corta,/ Trejeita, canta e ri, nervosamente. == Aos aplausos da turba, ele trabalha/ Para encontrar no manto em que se embuça/A cruciante angústia que o retalha./ == No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça/ E enquanto o lábio trêmulo gargalha,/ Dentro do peito o coração soluça."
          11. Dizer aos meus netos que quase todas as civilizações conheceram o circo; que o Circus Maximus, inaugurado no Século 6 a.C., é dado como o mais famoso dos tempos da Roma dos imperadores; que em 2.500 a.C., já se falava nos palhaços; e que, no Brasil, o circo chegou no século 19, trazido pelos europeus. Contar-lhes, portanto, um pouquinho da história do circo, lhes faria bem.
          12. E para finalizar, fazer-lhes um apelo e ao mesmo tempo uma advertência: que não confundam a figura nobre de um palhaço com esses embusteiros, trambiqueiros, pilantras e trapalhões que andam por aí sendo apelidados de palhaços.
     Dizer-lhes que, como afirmou alguém, e com absoluta precisão, "o palhaço é lírico, inocente, ingênuo, angelical e fágil". O palhaço não é um farçante e muito menos um mentiroso, digo eu.       Que o Orlando Orfei descanse em paz! É o que o Brasil, agradecido, deseja. 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 08/08/2015
Reeditado em 17/12/2020
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