O pecado mora abaixo

Dizer que a proximidade estreita relações nem sempre é verdade absoluta, morar em apartamento, frequentemente, desmente essa imagem.

Ele, que morava no apartamento imediatamente inferior, na disposição do edifício, fez com que todos mudassem: hábitos, comportamento e, sobretudo, tolerância. Ele, que doravante, passaremos a chamar de “incomodado”, mas acreditem, é só uma legenda, e não uma implicância.

Aqueles que ocupavam apartamentos acima do dele tiveram que passar a andar de pantufas, pois para ele, ainda que não houvesse militares no prédio, todos marchavam sobre sua cabeça, desordenadamente, e com ritmo sem nenhuma disciplina natural no soldado, provocando ruídos ensurdecedores.

Um dos vizinhos reclamava que o “incomodado” o acusara de ter uma araponga em casa, que emitia sons metálicos, que podiam ser ouvido à distância. Mentira, todos sabiam, de sobejo, que a maior ave existente no apartamento do reclamado, além do pintinho do dono, é claro, era um canarinho belga, com terrível problema nas cordas vocais, que o condenava a gorjear muito baixinho. O barulho do balancinho da gaiola também atrapalhava o sono do “incomodado”.

Só se admitia despertadores no prédio, imposição dele, se o toque fosse um Psiuuu bem harmonioso, nada estridente, que pudesse acordar alguém, particularmente...ele.

Se alguém tivesse gato em sua propriedade, obrigatoriamente, seria responsável, por proporcionar ao bichano, em períodos de cio, fêmeas discretas e silenciosas, que não fizessem do condomínio um bordel liberado, lascívia típica dos felinos.

Sabemos que a vassoura causa ruídos muito acima dos decibéis permitidos a um ouvido são; sendo assim, a poeira deveria ser retirada do chão com uma polpuda e tímida flanela.

As cadeiras deveriam permanecer fixas, a uma distância regular, que permitisse a quem fosse se alimentar na mesa, não tivesse que arrastar o mencionado móvel, afinal o barulho de cadeira arrastada leva qualquer um à loucura.

Quem tivesse filhos, que usasse o playground do prédio, deveria dominar “libras”, podendo chamar as crianças, na hora do almoço, com gestos e não gritos inconvenientes, e inoportunos, para quem mora em sociedade. O “incomodado”, diligentemente, montou um rol de brincadeiras permitidas às crianças, tais como : paciência, passar anel e aquela da...vaca amarela......, vocês se lembram dessa?

É sabido que um menino, de um andar superior, teve que andar tanto nas pontas dos pés, que acabou se transformando em incrível bailarino, dizem até que já se apresentou no Teatro Municipal

Nunca aconteceu de um morador engolir uma mosca ali, afinal em boca fechada não entra mosquito.

Todos souberam respeitar as manias dele, prova disso é que muitos, até hoje, o visitam no sanatório de Franco da Rocha, e, pacientemente, o ouvem reclamar dos irritantes acordes das liras, tocadas pelos anjos... no céu.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 06/08/2015
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