A Vida nos Apelidos

“Apelide” era como a gente pronunciava a palavra apelido em Poções.

Com essa expressão, comecei a conversar com meu amigo Gildásio Possidônio de Lima Filho, um baiano da Caroba de Irará, terra de Dida da Seleção e do grande artista Tonzé, no bar de Lula, na Cesta do Povo do Ogunjá.

Era sábado, compramos dois reais de camarão seco e ficamos tomando cerveja até a hora de almoçar o resto da feijoada, quase fria, servida no balcão “a la self-service”. Nem um dos dois tinha pressa, nem fome.

Fomos contando histórias e lembrando do cotidiano das cidades do interior esbarrei na pergunta:

- Com essa “palavrona” no meio do seu nome, você não tinha um apelido?

- Tinha e tenho até hoje. Dau de Julita, respondeu.

- Uma justa e bela homenagem pra quem já carrega o nome do pai, emendei.

Comum nos interiores as denominações de propriedade das pessoas. Contei que lá em casa, meu pai se chamava Amedeo e era mais conhecido pelo apelido de Chico que pelo próprio nome. Variava com Chico da Loja, Chico Sarno e tantos outros. Uma confusão nas correspondências e, muitas vezes, achavam que se tratava de duas pessoas. Com isso, além de Lulu Chorão, fiquei conhecido como Lulu de Chico.

Gildásio contou algumas passagens de Irará e se lembrou que ainda teria que visitar a sua mãe Julita naquele dia. Disse que a conversa ia rolar com outros velhos amigos já que Dida e Tonzé não estariam na cidade (pura pretensão de interiorano, eu conheço). Ia se encontrar com um tal de filho de Nega que Mata Vaca, o fulano da Farmácia e outros com apelidos estranhos.

Lá pelas 5 da tarde, a gente se despediu. Voltei pra casa lembrando dos apelidos dos conterrâneos poçõenses e passei a anotar alguns deles em um pequeno pedaço de papel. Foram tantos que comecei a colocar em ordem alfabética na tela do computador e vi que dava até para classificar.

Passei a semana nesse exercício. Ativei todas as baterias dos neurônios. Na minha cabeça rodavam as ruas de Poções, as casas comerciais, as festas, as pessoas circulando e, o melhor, lembrava de histórias e mais histórias. Achei apelidos do tempo de criança. Fiz uma verdadeira viagem no tempo. O pessoal daqui de casa dizia que eu estava ficando maluco quando lembrava de alguém no meio do nada e anotava no papel.

Gente que conheci, que convivi. Gente que já se foi. Gente que não vejo há muito tempo. São quase 280 “apelides” (apenas masculinos). Dos sérios aos engraçados, eles fizeram parte também da vida dos seus donos e ficaram registrados na nossa cidade e são tratados aqui com toda a dignidade e respeito. Eles fazem parte da história.

Minha única preocupação, agora, é saber que esqueci de alguns. Paciência! Vocês vão viajar nas suas histórias, lembrar de mais gente e me enviar para aumentar a relação dos apelidos do nosso povo, assim com estão fazendo com os termos e expressões poçõenses.

Agradeço a meu amigo Dau de Julita pelo papo que resultou essa crônica. Aliás, confesso que foi uma das que mais me causaram emoção e prazer em pensar e escrever.

Apelidos – baseados em nomes de animais

Artur Rato Branco; Anísio Caçote; Aurino Gambá; Bidinha Cabra; Cesário Rabicó; Coelho (Fernandinho); Coelho (Acascp); Davi Cara de Jegue; Diva Mão de Onça; Edson Jacaré; Gavião do Deserto; Gilberto Galo Cego; Jorge Galinha; Lobão; Lobinho; Luiz Morcego; Luiz Surucucu; os Mama na Loba; Marco Antônio Cara de Onça; Marcos Lagartixa; Marquinhos Cocá; Nilton Porquinho; Ratinha; Piolho (Banco do Brasil); Vei de Zé Galo

Profissões

Agenor da Cachaça; Alfredo Alfaiate; Antonio Ourives; Arnóbio da Cachaça; Bal Alfaiate; Barberim; Celso Relojoeiro; Chico da Loja; Del da Alfaiataria; Dezin do Leite; Enéas do Gás; Fidélis do Arroz; Homero Pintor; Hormindo do Rádio; Miguel Açougueiro; Mimi do Óleo; Nelson Pintor; Pedro da Farmácia; Pulú do Cachorro Quente; Quinca da Farmácia; Rui Queijinho; Tonhe do Feijão; Ulisses do Rádio; Valter Gabriela; Vavá Açougueiro; Zé da Loja; Zé Dentista; Zé do Pão; Zé Sapateiro; Zu Ferreiro; Zuca Fiscal

Em nome do pai e da mãe

Batatinha (João); Bida de Pasqual; Carlos de Daniel; Di de Marcolino; Didí de Eurípedes; Duardo de Pasqual; Jó de Marcolino; João de Catão; Jorge de Ucha; Neumir de Miga; Neumir de Marcolino; Paulin de Dôca; Paulo de Aníbal; Paulo de Fábio; Santo de Zizio; Tim de Eurípedes; Tim de Louro; Tonhe de Dôca; Zé de Alfredo; Zé de Dahil; Zé de Dôca; Zé de Lausinha; Zé de Paladino (Patel); Zé de Vadim; Zostinho

Pela geografia

Boa Nova; Carlinhos Carioca; Candango; Fidélis de Boa Nova; Serra Preta; Zé Califórnia

Pela aparência

Abílio Roxo; Bruno Gaso; Carlinhos Regaçado; Castelo Branco (Banco do Brasil); Daniel Rosinha; Decalcado; Dó Baixinho, Fernando Melancia; Gaso; Hélio Virote; Homem da Cruz; Ito Pezão; Isac Pé de Rodo; Jânio Barriga; Jipe; João Bonitin; João Pé Real; João Só (Aziz); Jorge Boneco; Letão; Letin; Nêgo Rege; Nêgo Rosi; Nêgo Vando; Néo Bicudo; Orlando Tonél; Pé de Banha; Rui Barriga; Toinho Cabeção; Tonhe Feio; Tonhe Gordo; Vicente Cheiroso; Zé Pescoço; Zezin Bocão; Zoma Barriga

Pornográficos

Abel Cagão; Edilson Cuião; Jorge Bufão; Luiz Bosteiro; Quenga; Siri Caçola; Zé Bufinha

No diminutivo

Baninho Guarda; Bizinho; Cumpadinho; Fiinho; Gimirim; Gutinha; Licinho; Lofinho; Lourinho; Seu Maninho; Muzinho; Napinho; Nobertin, Nuguinha; Pedro Sibim; Quequinha, Sonson; Tininha; Vecinho

Ecológicos

Dêga; Mário Goiabão; Mero; Rocha;

Italianos

Bajolão; Beleleu; Bruno Beçola; Caúva; Fidelão; Gueguel; Luizito; Marão; Miguelute; Penute (Pinuccio); Pepone; Pipinho; Solista

Músicos

Berecó; Bubuca; Chicão; Cidinho; Pitôco; Sandoval Caúca; Tião; Tonhe Faca Doida; Vilmar Coxinha; Xirico; Zé do Sargento; Zé Tenaz

Na estrada

Alfredo Zefa Doida; Papel; Terão; Tonga; Tota

Dos Fagundes

Bartola; Bil; Adilson Cabeção; Deduca; Déo; Dudui; Dúi; Jota; Léo Fera; Quito; Ti Nadinho; Tonhe Banana; Vei Neném; Viví

Velha Guarda

Badinho; Batatinha (Alcides); Carlito de Uchinha; Dé; Dindo; Dôca; Fernando Bigode; Frazin; Liligo; Liquinho; Lô; Louro Saboeiro; Lulu (Prefeito); Malagueta; Maneca; Miga; Nelito; Nenga; Nenzinho; Nino; Pedro Boca de Sebo; Tani; Ula; Vavá; Zizio Ferrugem

Bons de bola

Aví; Borrela; Bubute; Cal Barú; Capela; Cumpade Laro; Cumpade Nozin; Dái; Dão (Laudelino); Espirro; Ganapa; Lejo; Lejado; Mela; Miel; Mirinda; Nêgo Déo; Nêgo Gerson; Pata; Patel; Ponga; Tena; Ti; Tonhe Ximbica; Toninho Galego; Zozó

Longe do nome verdadeiro

Agonia; Bada; Belisco; Budu; Catão; Dena; Deputado; Dió; Diva; Fazendeiro; Já Modeu; Minuca; Mituca; Mufula; Pancho; Tinga; Tléis (Alênio); Xarope; Xerife; Zé Catemba

Outros

César Lubião; Chico Picolé; Fafá; Ni; Osvaldo Cientista; Pepeu; Praxeda; Rudiá; Tonico; Tonhá

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 19/06/2007
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