Viagem a Rio Negrinho- Parte II
Chegando a "Rio Negrinho", entrando em "Sta Catarina", matas, estradas simples de duas mãos, pontes e gado, colonos de cabelos claros em carroças, olhares curiosos para a poeira levantada, e braços de um rio escuro. Enfim chegávamos a fazenda logo adiante, bem cuidada, com árvores de várias idades, numeradas em lotes, desde o berçário até o corte, numa paisagem simétrica, que parecia não ter fim.
As capivaras em família , se reuniam na prainha do ribeirão, e algumas se refrescavam ,com a cabecinha para fora, e até aqui, nada de casas ou pessoas, apenas uma poeira vermelha que se entranhava pelas frestas, e pouco a pouco, uma casinha ali e outra aqui, um descampado, e uma escola, com a professorinha tocando o sino de corda, enquanto as crianças se enfileiravam diante da entrada. A capelinha com sua humilde cúpula , e uma cruz no alto, também em madeira talhada, tudo muito bem recortada, pintada de branco, rebanhos de ovelhas com seus pastores, e adiante os vaqueiros campeando, enquanto tratores e máquinas agrícolas se dirigiam para a lavoura. Pensei ; _ Meu Deus, quantos "brasís" , este é um deles ! Fascinado , até me esqueci dos "puns" do motorista.
Parecia um daqueles dias onde o amanhã se antecipa ao hoje.
Paramos de frente ao casarão do senhor de tudo aquilo, uma casa grande de alpendre, bem acabada em madeira, com belos carros estacionados no jardim, e vários homens de botas rondando amistosamente por ali, o que concluí serem seus colonos de confiança, para não azedar chamando-os de cabras. O senhor das terras chegou à seguir, com jeitão de "cowboy", meia-idade, forte e corado, de quem toma leite fresco com queijo e geleia todas as manhãs, um homem branco de raízes alemãs. Então se acercou, olhando nos olhos...
- Vocês são os funcionários da "Ford" ?
- Sim, (respondi, abrindo a cara empoeirada).
E ele nos convidou a entrar, e já nos levando para o escritório, no afã de iniciar o assunto das madeiras. Então lhe disse sem rodeios, como é do meu estilo; - O senhor vai me desculpar, mas viajamos muitos quilômetros desde São Paulo, e comemos um bocado de poeira nas suas terras, e precisamos usar o seu banheiro, antes de mais nada, além de um gole de água , se me permite ? Apresentando logo o meu cartão de visitas. ( E nem precisei mencionar os torturantes "puns" do seu motorista).
- Oh, claro, me desculpe, tem razão, fiquem à vontade.(apontando a direção com a mão).
Esta falta de sensibilidade me incomodou de pronto, não gosto de imediatismos, pois era razoável que tomássemos um fôlego, nem precisava pedir .
Enquanto lavávamos aos mãos e o rosto, nos falamos pelo espelho, e senti que o Éviton confiava em mim, ele nada sabia sobre madeiras , mas aparentava tranquilidade, então fui lhe falando sobre a tática e os detalhes que deveríamos abordar, com um cuidado felino.
- Não podemos fazer promessas vazias, esse homem é um comerciante de madeiras bem sucedido, e certamente espera fazer um bom negócio, e da nossa parte idem, e a pressa é inimiga nessas horas, precisaremos ouvir mais do que falar. Colher dados e impor tempo de cálculo é fundamental, respondendo só na certeza. Este é o território dele, e o faz sentir-se seguro, mas não se intimide, pois é comum usarem este subterfúgio para confundir.
Ás vezes uma negociação se torna um jogo de tabuleiro, onde nem todas as pedras estão na mesa, há todo tipo de negociador, e os de madeiras não costumam ter boa fama.
Tudo saiu dentro do esperado, e depois de algumas horas arrastadas, percebemos que a nossa missão alcançara o objetivo, ele fizera as perguntas esperadas, onde tínhamos as respostas quase prontas, isso nos deu domínio, e a primeira impressão que tive sobre o "imediatismo" dele ao chegarmos, acabou nos favorecendo.
Estávamos cansados, e o estômago roncava de fome, pois nada nos foi oferecido além do habitual cafezinho, mas enfim, não fomos lá para comer, e pararíamos na estrada para lanchar, e assim foi. Paramos num rancho a beira da rodovia, e comemos um arroz com carne, e suco de fruta, enquanto o motorista , que mentalmente apelidei de "Mr. Pum", mandou duas "branquinhas" pra dentro, alegando abrirem o apetite. ( Nunca bebi em serviço, a língua pode ficar rápida, e educadamente recusei acompanhá-lo).
Chegando a Curitiba, batia perto da meia-noite, e ainda precisaríamos embarcar de volta para São Paulo, e sabe-se lá a que hora chegaríamos em casa, sem dormir, e sem uma boa refeição, mas o pior era o intenso cansaço, como poucas vezes me sentira na vida, físico e mentalmente, pois usa-se a cabeça e a atenção ao limite.
Finquei o pé, e disse que pernoitaríamos em Curitiba, precisávamos tomar uma ducha revigorante, e recuperar um pouco da fadiga, e mesmo fora dos planos, às vezes a necessidade manda a pedido do corpo, então o fornecedor resolveu bancar essa inesperada despesa, embora não fosse a sua primeira intenção, mas a prudência falou primeiro, e resolveu ser gentil , pois havíamos amarrados um grande negócio. Não pedimos coisa alguma, mas agradecemos .
PS; Segunda parte desta história , verdadeira até nos detalhes, como sempre faço, porque as coisas verdadeiras merecem todo o respeito que a memória é capaz de guardar, na justa medida.
A terceira e última parte ficará para amanhã, espero que gostem , isto me deixará feliz.