Beijo virtual



Já era noite quando Maria Luiza apanhou sua bolsa, fechou o escritório e seguiu para sua casa um tanto quanto desanimada.
Morando sozinha não havia muito que fazer no apartamento vazio...
Talvez terminasse de ler aquele livro cuja história a fazia dormir acompanhada pelo tédio da solidão.
Ver televisão nem pensar, nunca havia nada de interessante nos canais convencionais e para sair era muito tarde, passavam das 20:00hs. de uma segunda-feira monótona e de trabalho exaustivo.
Largada no sofá à meia luz vinha-lhe à mente ele.

Mas como poderia estar pensando nele se não o conhecia pessoalmente?
Nem o seu rosto era capaz de imaginar, contudo, sentia um arrepio na espinha ao lembrar-se da última conversa por MSN a pedido do seu chefe.
Era como se ele estivesse ali, presente em sua sala, o ar pareceu-lhe terno, um leve perfume a fez levantar-se, ligar a televisão, e sentar-se diante daquela máquina fria que naquele momento pareceu-lhe possuir vida própria e emanar um calor humano. Como a um chamado por telepatia lá estava ele on-line à sua espera. Emocionada, segura a ansiedade e não o chama, aguarda que ele a convide para uma conversa. Na impaciência da espera o seu coração dispara ao ouvir o soar do MSN. A madrugada adentra e as conversas iam e vinham num clima harmônico, as horas passavam rápidas demais deixando para trás muitas coisas por serem ditas.

Os dias passaram e os encontros tornaram-se cada vez mais freqüentes. Tarde demais, ela já estava envolvida num romance. O contato diário na empresa e mais à noite em seu apartamento já eram compromissos certos, entre uma troca e outra de fotografia, entre uma palavra e outra de carinho, as conversas iam dia-a-dia preenchendo cada vez mais o vazio de suas antigas noites frias, as afinidades iam dando lugar a um encontro mais do que esperado a cada fim de tarde...
Ao dormir e ao acordar lá estava ele em seus pensamentos, passou então a imaginá-lo, a senti-lo, a desejá-lo cada vez mais. Porém precisaria tomar uma decisão. Precisaria tomar coragem para deixá-lo.
Era casado, pai de lindos filhos, esposo de uma linda mulher dedicada, era ele dono de uma família perfeita...

Não seria ela a causadora de uma discórdia familiar. Mas, sendo assim, por que não conseguia se livrar dele nem em pensamentos? Seria porque ele estaria a apenas alguns quilômetros de seu apartamento? Ou seria por que bastava apenas um simples sim para que ele a pegasse para um jantar romântico?
Não...! Definitivamente ela não poderia compactuar com aquela situação de traição, não poderia permitir que se tornasse real aquele romance virtual, era contra os seus princípios morais desmontar uma família como a que ele descrevera...


Contudo, não lhe saia da cabeça aquele beijo de despedida da noite anterior.
Fora o mais terno, o mais profundo e envolvente de todos os beijos, sentira o tocar daqueles lábios macios percorrendo-lhe por todo o seu rosto até tomar-lhe a boca num beijo ardente, sentira o suave deslizar daquela língua quente e úmida por todo o interior de sua boca como quem anseia por desvendar o mais íntimo dos desejos.


De olhos fechados, mais uma vez sentada em sua cadeira, sente o tocar suave daquelas mãos fortes por todo seu corpo causando-lhe arrepios na espinha, sentindo na face o rubor, comprime uma coxa contra a outra deixando escapar um súbito sussurro. Entregue ao êxtase chama-o carinhosamente pelo nome e mais uma vez liga o computador à espera de mais um longo e delicioso beijo virtual...