Cuide bem de seu amor
A água quente banhando meu corpo nessa manhã fria de inverno, me transformava num rouxinol urbano.
Cantarolas e assobios, se misturavam ao vapor.
A água era o amor.
Na frente do espelho embaçado, desenhei uma caretinha feliz, com a ponta do dedo escrevi seu nome. Do desenho escorreram duas gotas pela condensação.
O vapor era o amor.
Uma coceira diferente no peito, uma tosse seca.
Uma fraqueza no corpo. Uma dor irradiando pelo braço esquerdo. Pronto, já tenho a conhecida arritmia cardíaca de volta.
Mais um comprimido de ritmonorm. Quatro passos cansados, difíceis de darem e me deito na cama.
Já aprendi que serão duas ou mais horas ali, inerte, poupando energia. Esperando os batimentos normalizarem.
O braço dói. Eu sinto o coração bater forte ora nos pés, ora na cabeça. É uma sensação de impotência, de descontrole, que assusta e dá medo.
Duas gotas também escorrem quentes dos meus olhos.
O medo era o amor.
A dor na solidão dói muito mais.
Onde está a dona daquelas mãos que me dizia:
- vem cá meu filho, vou te dar um beijinho pra sarar.
E sarava.
Oh minha velha mãe, onde você está?
Venha abrir esse meu peito, dá um beijo nesse coração doente. Faça de novo ele sarar.
Onde estão os donos daquelas mãozinhas que eu pegava pra ensinar andar?
Precisava delas agora pra me confortar.
Onde está você meu amor, de mãos macias, delicadas para segurar as minhas agora que tremem e suam de medo?
Deitado, ouço sabias, bem-te-vis, periquitos cantando agitados numa palmeira em frente.
Deitado, sinto saudade do rouxinol, agora assustado.
O celular toca, e sem perguntar, se estou feliz, se estou doente, já acusa:
- Preguiçoso, você não vem trabalhar não?
Visto a calça. Calço as sandálias. Afiro a pressão.
Vamos trabalhar.