O primeiro "whisky".
Curiosamente a primeira vez que tomei uísque na vida estava com o meu pai, e tinha apenas vinte anos. Não tinha o hábito de beber, só um pouco de cerveja às vezes, depois das partidas de futebol, onde se formava aquele ambiente gostoso entre os amigos, com muitas risadas, e tira-gostos para acompanhar.
Na saida do trabalho pegamos uma carona com um funcionário do meu pai, um senhor de seus quarenta e poucos anos chamado Josmar, que regulava com o meu pai ,que estava com quarenta e seis naquela época. Meu pai nunca dirigiu, não tinha a menor noção de volante, e embora fosse um homem bastante inteligente, não possuia aptidões motoras, e as vezes pegávamos carona com algum amigo, evitando os ônibus lotados.
Lembro-me bem do Sr. Josmar, um homem sério de fala mansa, parecia um pouco triste de semblante, e tinha olheiras acentuadas, que meu pai me confidenciara serem da bronquite asmática, e notava-se que aquele homem não tinha uma boa saúde, e as vezes usava aquela bombinha de dilatação. Ele iria nos deixar na Vila Mariana, se bem me recordo, onde ele morava, e nos convidou até o seu apartamento, pois ele e meu pai se entendiam bem, conversavam assuntos sérios, de política, e coisas assim, bem diferente dos papos alegres da rapaziada do futebol, mas eu prestava atenção tentando entender alguma coisa, pois ambos tinham uma forma polida e interessante de falar. O Sr. Josmar era casado e tinha filhos, mas não vi ninguém no apartamento ,que me pareceu tão frio quanto o final daquela tarde, me pareceu um homem a beira da separação, mas nada ficou explícito, e o meu pai era muito discreto no que tangia a comentários.
A certa altura o Sr. Josmar abriu o barzinho e pegou uma garrafa de " Black & White", aquele famoso uísque escocês dos dois cachorrinhos terriers, cada um de uma cor, que dão nome a marca, e um baldinho de gelo com dosador e pinça, o que me pareceu muito chique,nunca havia visto nada assim, só em filmes. Em casa não havia dessas bebidas bacanas, o meu pai só tomava vinho, e eu refrigerantes e sucos. Fiquei tomado pela curiosidade, e ele me ofereceu uma dose, para que eu também pudesse acompanhá-los, então olhei para o meu pai, que sorriu e sinalizou um "sim" com a cabeça, consentindo. Provei, molhando a ponta da lingua, que pareceu adormecer ao primeiro contato, forte e aromático, com aquele sabor dos tonéis de carvalho, que agora inundava a sala, e a medida que o gelo fazia a sua função, a bebida ficava mais suave e apreciável, lembrava de longe o conhaque, mas era bem melhor. Pensei pra mim; agora sei o que os "cawboys" tomam no "saloon" . Naquela época as importações eram raras, e haviam poucas marcas disponíveis , todas bem encorpadas de malte, como descobriria mais tarde, pois era o gosto dos homens maduros daquela época, já que os jovens não tinham acesso a esse tipo de luxo.
Voltei a tomar uísque algumas vezes na vida, já bem mais velho, em vários momentos, sozinho ou acompanhado, pois é um drinque muito social, e hoje tenho algumas marcas no meu barzinho ,embora não tenha adquirido o hábito , as vezes me sirvo de uma dose "on the rock", mas jamais esquecerei daquele "Black & White",ainda um jovem estudante, com a aprovação do meu pai. Hoje eles já não estão mais ,ficaram nas curvas da estrada, e quando olho pelo retrovisor já não os vejo , mas é nesses pequenos momentos que nos reencontramos, e as vezes fecho os olhos e sinto que podemos brindar novamente.