A contradança
Sinto meu sangue esvair-se a cada giro, a cada salto. Tempos e contratempos perderam-se na própria linha do tempo. Já não há porque exibir repertório e floreamentos: ninguém me dará a contradança. Sozinho no salão, começo meu longo e triste valseado. Sinto meus pés chafurdarem num mar de lágrimas e suor. Choro pelo meu grande esforço em vão.
Cinco, seis, sete, oito e torno a executar o passo, que já não tem mais vigor, nem beleza, sequer valor. E me indago se algum dia já teve. Frustração, desespero, medo e sonolência tomam conta de mim. O cansaço me abate, e me angustia ainda mais. Para que fim elaboro performances, se não consigo executar? Não há porque tentar se a capacidade mínima esperada não chega perto ao máximo que se pode dedicar.
E aos poucos, ela (a dança), se afasta, sorrateiramente, como num sonho. Até que um dia virá a dizer adeus. Assim ver-se-á então quanto tempo foi desperdiçado ao se investir num sonho. Mas sonhos são só sonhos, como espelhos são somente espelhos. E por estes vejo o que o tempo fez comigo.
Então o espelho se quebrará, ficará em estilhaços, assim como ficou o desejo incessante de ser algo. Assim como ficou o contrato que se fez com a vida.
E pelos cacos, enxergo a mim mesmo, e os cacos que sobraram à minha volta.
E os movimentos são reduzidos a pó. Nada mais.