MEU PAI E EU "O TEMPO E O VENTO"
As férias acabaram, resta-me, de sobra, este domingo ensolarado.
Tenho em mãos um livro de folhas amareladas, com o nome de meu pai, em tinta azul, no alto da capa. Tão característica a caligrafia de meu velho, que eu a reconheceria em qualquer parte do mundo.
Revejo-o na varanda de minha lembrança, acomodado na cadeira confortável, perna cruzada à moda masculina, cigarro de palha, feito criteriosamente, fumegando entre os dedos. Volta e meia, uma tragada. Nas mãos, o livro pelo qual se apaixonara e lera antes que eu o fizesse: Um Certo Capitão Rodrigo, de Érico Veríssimo.
Corria a década de setenta, eu também corria entre o trabalho e a universidade, cursava Letras Vernáculas. Adquiri o referido livro para leitura e análise, por solicitação de um professor. Em virtude de meu tempo escasso, podia ler apenas antes de dormir, quando voltava da Universidade. O sono chegava rapidamente e o cansaço não me permitia ler muitas páginas. Precisava de muitos dias para completar a leitura. Assim, meu pai, amante da arte de ler, leu a obra antes de mim, sentado na velha cadeira da varanda.
Comentava comigo sobre o aventureiro Capitão Rodrigo e sua rebeldia. Sem dúvida, inadvertidamente, ajudou-me a desenvolver meu trabalho de literatura.
O livro em minha estante ainda hoje, fala-me muito mais de meu pai, que do Capitão Rodrigo. Tomo-o nas mãos e revejo a coragem e simpatia do Velho Antônio tão semelhante às do Capitão. Entretanto, extremamente diferentes no que tange à conduta moral. Mas isto é assunto pra outra hora.
Devolvo o livro à estante, porque o domingo também corre, tal qual correu a década de setenta; corre como corri entre trabalho e estudos, como correram minhas férias; corre como corria o Capitão Rodrigo sobre seu cavalo; corre como correu a vida de meu pai ao meu lado.
Tudo corre como o vento.
Dalva Molina Mansano