Bernardo de Mello Franco, em sua coluna na Folha de São Paulo de hoje, nos dá um interessante lembrete: farda não impermeabiliza ninguém contra a corrupção nem é antídoto contra a fraqueza de caráter. Militares também podem e são corrompidos. Ultimamente tem-se noticiado muitos casos de militares envolvidos em tramoias e trapaças. Aliás, as polícias militares têm tido uma constância desses casos, que não deixa a gente esquecer disso.
A referência feita pelo colunista foi a propósito da prisão do Presidente da Eletronuclear, vice-almirante de esquadra, Othon Pinheiro, apanhado na rede de corrupção do propinoduto da Petrobrás. E eu me lembrei que quando estava na ativa, como auditor da Receita Federal, certa vez autuei uma empresa que fazia contrabando de aparelhos eletrônicos, usando indevidamente o nome de uma universidade e seus professores. Apreendi um enorme carregamento de computadores e outros aparelhos, que supostamente estariam sendo utilizado pela universidade, e por causa disso eram importados com isenção de impostos, mas na verdade eram destinados ao mercado interno,tipo Galeria Pagé e semelhantes.
No dia seguinte á apreensão, entrei na minha sala na repartição e encontrei lá um senhor vestido com terno e gravata, cabelos embranquecidos, mas com uma postura empertigada e um semblante sisudo. Apresentou-se como o Sr. Fulano de Tal, coronel reformado do exército nacional. Depois de uma arenga sobre a vida militar e os serviços prestados ás gloriosas armas nacionais, ele disse ao que veio: estava agora reformado e trabalhava com seu filho, dono de uma comissária de despachos aduaneiros. Essa comissária era a responsável pela liberação alfandegária da mercadoria contrabandeada que eu aprendera. Em suma, o tal coronel primeiro me ofereceu propina para que eu liberasse a muamba; como não funcionou ele começou a me chantagear, dizendo que eu estava prejudicando muita gente, inclusive colegas meus. E por fim ameaçou-me dizendo que eu estava me colocando em situação muito perigosa e devia tomar cuidado, inclusive com a segurança da minha família. Eu disse a ele que felizmente estávamos nos anos noventa e a ditadura militar era um triste episódio morto e enterrado e que tais pressões não funcionavam mais. Ele saiu furibundo da minha sala e eu confesso que fiquei com medo. Nunca se sabe que ramificações essas coisas têm. Felizmente o tal coronel não tinha nenhuma retaguarda importante ou perigosa. Uma investigação conduzida depois pela Corregedoria da Receita Federal apurou que esses bandidos já estavam fazendo isso há algum tempo, inclusive com a cumplicidade de alguns colegas da Alfândega, que acabaram sendo demitidos. O tal coronel foi denunciado, mas eu não sei o que sobrou para ele.
Como diz o colunista da Folha, isso serve para lembrar aos saudosos da ditadura militar, achando que só um governo autoritário tem remédio contra a corrupção que a democracia permite. Primeiro que os vermes da corrupççao também corroem fardas; depois, como disse o velho Catão, senador romano que tinha fama de ferrenho moralista, “ é preferível um pouco de corrupção com liberdade do que uma ditadura sem nenhuma possibilidade de denunciá-la.”