Pequenas histórias 99
Estava novamente
Estava novamente preso. Cairá outra vez na cilada. Boiava feito pedaço de madeira encharcado de água suja, sendo jogado de um lado para o outro. A aspereza das laterais do poço feria sua pele sensível. Silencio de água lamacenta ladeava-o por todos os lados.
Sou uma linha, pensou mecanicamente num sorriso lento e maroto.
O brilho de luz cortante caia sobre ele da abertura minúscula do poço ligando-o com o mundo, com o exterior. Não ouvia nada, apenas o silêncio da natureza parada, apenas o silêncio da água sustentando o pesado corpo. Se tivesse colocado pedras nos bolsos, talvez tivesse afundado mais rapidamente. Mas não queria suicidar-se, não era Virginia Woolf. Fraco sim, mas em nenhum momento da vida pensou em suicidar-se. Por causa dessa fraqueza é que caia todos os dias na armadilha, o que não quer dizer que desejasse se matar. Isso ocorre por ser fraco acomodado aceitando tudo sem pestanejar e sem reclamar.
Fechou os olhos. Cansado pensou em dormir. Sentia o corpo letárgico caindo numa bruma sólida. Nisso seu ombro bateu na lateral do banco e ouviu o ônibus frear. Estava atrasado. Levantou-se rapidamente e desceu ouvindo o pé bater firme no calçamento novo da Avenida Paulista.
Eram oito horas e quarenta minutos.
Como sempre atrasado.
pastorelli