Morra quem se negue!
“Morra quem se negue!” - Ora bem! Como não está nos meus projectos enveredar pelo sono eterno tão cedo, acedi e emborquei mais um copo, no entanto, sempre sem misturas e do branco se possível. Porquê branco e não tinto, perguntarão? A resposta é simples: Se beber vinho tinto e tiver uma má disposição que vomite, é certo e sabido que levo o rol de bêbado, mas se for branco nada indica que bebi e o comentário será: «Coitadinho do senhor que ainda estava só com um caldinho!».
Já tínhamos “papado” uma sandes de leitão bem aviada cada um, porém, o meu amigo Avelino dizia que sentia ainda uma certa fraqueza. Sorri como não podia deixar de ser à vista de tanto apetite.
- O que é que você quer? Desde as seis e meia que ando na luta e ainda não tinha comido nada.
- Mas eu não disse nada! – Exclamei com uma gargalhada.
- Não disse, mas pensou. – Atirou de pancada.
- Não querem lá ver que você para além de todos os cargos que tem, agora também é adivinho?
- Cargos, que cargos? – Perguntou o meu amigo Palmeiro que me tinha vindo visitar.
- Então, é o maior produtor de leite da Tocha…
- Isso queria eu!
- Está bem, pode não ser o maior, mas é um dos maiores. E quanto a cargos, começou por aceitar um lugar na direcção da Cooperativa, mas entre os “cabeçudos”…
- O que é isso de “cabeçudos”? – Pergunta o Palmeiro.
-É dos que mandam e desmandam. Além do mais, por inerência de funções ocupa também um cargo na Laticoop, também não sei o que lá faz, mas não há reunião que meta almoço ou jantar que o nosso amigo não esteja presente. Mas há mais, agora também tem um cargo na Junta de Freguesia, um cargo ou um tacho, não sei bem…Olha é tão verdade como vir ali o presidente da Junta mais o secretário.
O Palmeiro olhava, ora para mim, ora para o Avelino como se duvidasse do que eu estava a dizer.
- Bom dia meus senhores! - Saudou o presidente, enquanto apertava a mão ao pessoal. Virando-se para mim, disse:
- Eu vi-o na associação a assistir à peça de teatro…
- Mas vocês conhecem-se? – Perguntou o Avelino interrompendo o colega autarca.
- Sim já há uns tempos. Desde que abri uma conta no banco onde aqui o nosso presidente é gerente. – Esclareci.
- E gostou da peça?- Perguntou o presidente.
- Sim, ainda que tenha achado algumas falas repetitivas e as piadas pouco subtis. Algumas, achei até um pouco grosseiras, quando para reforçar a piada se recorria a certos gestos que mereceriam uma bolinha vermelha, uma vez que entre o público existiam crianças.
- Sim, é um pouco o resultado do amadorismo. No entanto há-de convir que não foi má de todo.
- Claro que não! Teve momentos muito engaçados e um ou outro actor com alguma qualidade…
- Isso é para casar? – Interrompeu o Palmeiro juntando os dedos indicadores, ao ver esta conversa entre mim e o presidente.
O riso dos amigos, culminou com mais uma rodada, desta vez paga pelo secretário que fala pouco, mas tem gestos dignos, no dizer do meu vizinho Avelino.
A coisa estava aquecer e fiz um gesto à empregada para não me servir. Valeu-me de pouco, porque o secretário contrariando a sua parca oratória, vociferou:
- Morra quem se negue! - E lá teve que ser.
- Mas voltando à peça, apraz-me dizer que aquela piada do moribundo que queria como última vontade ter lado a lado o primeiro-ministro e a ministra das finanças, achei sublime Quando o moribundo pega nas mãos dos ministros e diz: «Tal como Jesus, sempre quis morrer entre dois ladrões».
O riso que se seguiu, deixou-me na dúvida se os nossos autarcas o fizeram porque acharam piada ou porque é preciso saber engolir sapos, quando sabemos que os nossos governantes são do mesmo partido.
No próximo domingo terei a resposta, se ao ser cumprimentado forem tão efusivos. Como o foram antes de contar a piada.