O Bem Sempre é Notado

Corria o ano de 1945 e eu, já com 14 anos, era empregado no Bar Café e Sorveteria do Sr. José Augusto Coelho, que também fornecia pratos feitos para as refeições. Devo acrescentar que naquele tempo os armazéns da Rua Costa Aguiar estocavam muitos alimentos. E a tarefa de carregar sacas na cabeça era realizada por vários homens fortes, que faziam suas refeições no nosso bar, que ficava na Rua Saldanha Marinho, esquina com a Rua 13 de Maio, em Campinas.

As refeições eram servidas em bandejas de alumínio. A Comida era farta, boa e muito nutritiva.

Eu, como um dos atendentes do bar, todas as amanhas, ia buscar na padaria Minerva, na Costa Aguiar, 50 pães, “filões”, como dizíamos, que cortados em 3 partes dava para 150 lanches. Essa tarefa era só minha, que realizava em duas viagens.

Num certo dia, quando eu ia chegando ao bar, ouvi uma voz que disse: “Me dá um pedaço de pão? Pois estou com muita fome e não comi nada desde ontem ao meio dia..”.

Ai eu notei que era o “Três Pontes”, morador de rua que dormia em três pontes, dai o apelido. Eu lhe disse: “..Destes daqui eu não posso te dar, mas daqui há pouco eu lhe trago um lanche..” E assim eu fiz, discretamente. Fiz um lanche reforçado e fui levar para o Três Pontes. Ele me agradeceu muito e disse: “..Pode acreditar: Nunca vai faltar nada para você e para os seus..”.

E assim, sempre que o via ali por perto eu levava um lanche para ele. Eu acreditava que ninguém sabia dessas minhas ações.

Foi num feriado de 1948, Sete de Setembro, quando no bar só estávamos eu e o Sr. Augusto Coelho. Como iríamos fechar o bar ao meio dia, os outros empregados do bar não vieram para o trabalho. E eu estava preocupado em como fazer para levar o lanche ao José Monteiro, esse era o nome do “Três Pontes”.

Naquele instante eu vi o meu patrão, Sr. Coelho, fazendo um apetitoso sanduiche. Como o pão era amanhecido ele o esquentou no forno de nosso fogão, tocado a carvão. E o Sr. Coelho me disse: “..Laércio, leva isto para aquele homem da rua, ele poderia ser um de nós..”. E ele ainda me disse: “.. Eu sei que você leva sempre alguma coisa para ele. Mas não pare. Isso é uma boa obra..”. Eu perguntei a ele: ”..Alguém contou ao senhor que eu faço isso?..”. Então ele me disse com um tom bem paternal: “.. Você acha que um português, quase sem estudos, com pouca educação, pobre, que saiu de Portugal com a cara e a coragem há 15 anos, teria o bar que tenho hoje, se não fosse esperto?..”. Ele ainda me disse: “..Fazer o bem não ocupa lugar..”.

Ainda trabalhei mais dois anos no seu Bar e não fiquei mais porque ele vendeu o estabelecimento e voltou para Portugal, como ele havia me dito que faria. Estava rico, casado, e com um filho. Ele ainda havia me convidado para ir morar com ele nas “Terras de Camões”, que seria tratado como a um filho. Agradeci a ele, mas fiquei por aqui, pois queria seguir outro caminho, na carreira de locomotivas da Cia Mogiana. Mas sempre me lembrarei, com muito carinho, desse período em que trabalhei com o Sr. Coelho.

Laércio
Enviado por Laércio em 25/07/2015
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