O homem que não dorme


          A televisão, de modo geral, mostra-nos coisas suportáveis e também notícias sem novidade, repetidas,  mais uma vez requentadas. Mas, brasileiro adora ver uma telinha acesa...  Mesmo quando piscam pontinhos pretos e brancos, aguardam-se as cores e a imagem perfeita. Foi passando diante de uma dessas que escutei o meu nome; logo percebi que não se tratava de mim.  Um homem franzino, triste, protagonizava o  Programa "Domingo Show", de quem falava o apresentador: "Aqui está  'seu" Damião, o homem que não dorme". Até então pensava que havia poucos que dormiam pouco, mas o xará estava passando da conta. Perguntado quanto tempo estava sem dormir, respondeu o insonioso: "Quinze anos".
          Por algum tempo, ele me deixou pensando que também não falava , a mulher respondia tudo pelo marido. Demonstrava costume de ser boa de serviço e de sustentar bate-papo em noites indormidas a responder ao companheiro e, às vezes até a substituir rádio e  televisão fora do ar... O apresentador retomava a palavra:  "O caso dele não tem cura", e anunciava um médico que apareceria para explicar aquele comportamento  esquisito;  protelava o anunciado e nada de se esclarecer o diagnóstico do estranho fenômeno. No final,  o médico apareceu, gabando-se de que, de graça, mas com seriedade profissional, acompanha  o paciente desse caso famoso, visitado por colegas do ramo  e até já por turistas.
          Enquanto o médico não definia a entranhada insônia , a mulher voltava a lamentar  que quando casou com ele  não sabia que ele teria essa doença, de certo modo contagiosa, porque ela própria, que dormia  quase dez horas por dia, agora só estava conseguindo cinco. Muitos apareceram na sua casa tentando explicar aquilo; uns com a tese de que ele tinha "medo de morrer", assim vigiando qualquer aproximação repentina ou eventual da morte.  Alguns dos amigos viam naquilo certos benefícios: "Com certeza, ele, sempre acordado, viverá mais  do que dormindo, ora, quem dorme vegeta". As explicações  impacientavam a mulher que confessava: "Viver com um homem o dia todo já basta,  mas dia e noite, noite e dia, quem aguenta? Ninguém sabe quando ele procura a gente, já  fiz de tudo... Nem televisão dá sono nele..."  Alguns advogados recém formados se exibiam: "Ele observa, religiosamente, a expressão jurídica latina forense: "Jus dormientibus non sucurrit" ou seja "O direito não socorre aos que dormem!", e,  ele, meio zonzo, balbuciando, afirma que essa frase está na Bíblia...