Quando Pesa Demais
A imaginação humana é imensamente
mais pobre do que a realidade.
Cesare Pavese
mais pobre do que a realidade.
Cesare Pavese
Gosto de assistir a esses seriados sobre investigação policial, ver o trabalho técnico dos peritos e as artimanhas dos advogados e promotores: Lei & Ordem, NCIS, CSI, Criminal Minds e suas variações.
É impressionante ver o que fazem esses Sherlocks modernos na elucidação dos fatos, a partir de pequenos vestígios e da análise psicológica de suspeitos e demais envolvidos.
Porém, todo esse trabalho fascinante somente acontece como consequência à ação de criminosos, ou seja, o ponto de partida para o enredo sempre é um crime. Ou vários. Com este mote, alguns episódios são mesmo muito pesados, envolvem estupro, pedofilia, tortura... Numa noite dessas, via um episódio sobre um assassino serial, autor de vários crimes terríveis. A covardia, a violência, o total desprezo por seus semelhantes estavam me incomodando e decidi mudar de canal para acompanhar o noticiário.
O cenário ali era um hospital. O enredo, o eterno descaso do governo com a saúde pública e a situação desesperadora de doentes à espera de atendimento ou medicamentos que não vêm. Homens, mulheres, jovens, idosos e crianças, todos sofrendo, morrendo à míngua, ignorados por quem deles deveria zelar.
A Globo, em uma reportagem lacrimosa no melhor padrão global, trazia o combalido sistema educacional brasileiro onde professores mal pagos, mal treinados, desmotivados, tentam ensinar crianças amontoadas em escolas caindo aos pedaços.
Na Record, a imagem era dos traficantes em guerra, enquanto policiais mal pagos tentam detê-los, usando armas obsoletas contra o incrível armamento dos bandidos.
Em todos os canais, vídeos, documentos, gravações e provas sobre mais um esquema de fraudes e corrupção que sangra os recursos do Estado, reduzindo consideravelmente as chances de vermos solucionadas as mazelas descritas acima.
A cobertura internacional indica que fora daqui, a coisa também vai mal, mas a gota d'agua mesmo foi a exploração, nas "páginas" policiais, com detalhes microscópicos repetidos à exaustão, de crimes horrendos, cruéis e, o que é pior: que muitas vezes restarão impunes.
Voltei para o seriado. Pelo menos, era só ficção.
Texto publicado no jornal Alô Brasília, de hoje e reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 26/01/2009.