Os críticos e as crônicas

Que ouçam os teóricos do lado extremo do que dizem as palavras, porque nós falamos de dentro delas, do profundo de nossas almas criadoras, andando pelos labirintos da criação. Nem sempre há tinta no reboco, embora uma boa tinta exija um bom reboco. Nós cronista, fazemos um bom reboco diário com os nossos textos e os cobrimos com tintas diversas. O crítico vasculha tudo o que já concluímos, caçando os defeitos e os acertos dele, do miolo ao seu acabamento.

A crônica não tem invalidado seu teor literário apenas pela efemeridade que traz em si, pela sua economia de texto e tempo como se, lançado ao cinzeiro, no dia seguinte fosse cigarro apagado, malcheiroso e pudesse ir ao lixo, nele acabar-se. Possui ela bons e grandes valores, tantos que o diga o tempo de sua sobrevivência até hoje. Vencer mares agitados e calmarias.

A crônica dá pernas ao texto para que ele possa andar até o futuro e ajudar a construir a história da sociedade e seres registros parciais do dia - a – dia. Nada de chamá-la de gênero menor, passageira valizada apenas no dia em que for lida. Ela transpassa tudo isso. Não a vejo como sobremesa, mas como um prato principal, saborosa, quando bem servida à mesa jornalística.

Há as que encantam com seus estilos próprios, próprios de seus autores. Há aquelas que , carregadas de personalidade pronominal, esquecem a vaidade e no “eu” revelam sua parcialidade discursiva. Há as que já nasceram mortas: não conseguem levar seus leitores ao fim-a-que se visa. O final do texto é escuro e longúsquo, quase ninguém vai até ele. Há as que são mais econômicas de que o que o próorio gênero pede e são quase poemetos em prosa ( prosa poética). Há as crônicas bem ajardinadas que, antes mesmo de o leitor achar o autor, esse, em seu caminho de leitura, cruzar com suas flores perfumadas, multicoloridas. E por aí vão as crônicas atravessando as quatros estações, e sendo o pãozinho quente de cada dia, como bem o disse no passado o cronista Rubem Braga - disse ele que a crônica era como os pãezinhos que saem quentinhos dos fornos das padarias para serem devorados nos cafés da manhã de todos os dias.

Um bom cronista não sofre da síndrome da incompetência literária e não lhe falta ela quando tê-la pronta é mais do que preciosa esperada. Olhamos até ao seu redor e lembramos o lápis usado, a cadeira onde sentamos, o birô onde nos apoiamos ou até a falta de inspiração e aí produzimos as tantas necessárias. Elas brotam sem produzir em quem as fez qualquer preguiça literária, embora haja cronistas viciados em envernizarem crônicas alheias às suas lavras e publicá-las em jornalecos de quinta categoria, como também aqueles que são encomendadores de artigos. Dizem que há outros que vivem disso. Eu não sei nem nunca os vi!

Portanto, nada de taxá-los como um gênero menor da ficção. Seu brilho dependerá da estatura literária de seu criador.

Quantos cronistas não foram guindados para outros gêneros literários após sua maturidade no exercício cotidiano com a crônica? Há também aqueles escritores que chegaram a ela vindo de outros gêneros. Esse caminho de volta é menos comum, ao meu ver.

E sendo Lélio, João das Regras ou Malvólio, Machado foi e será sempre o Machado das crônicas – as melhores delas, o precoce escritor, aos seus 21anos, já as produzia com mestria, nos folhetins- baners parasitas das páginas jornalescas de sua época. Cresceram tanto as crônicas, que chegaram a ocupar as páginas onde antes descansavam apenas em seus rodapés. Eu tiro o meu chapéu para esse gênero literário, sem qualquer medo de estar, com isso, errando!